sexta-feira, dezembro 30, 2011

De centenário em centenário

Já tinha pensado escrever, nestas páginas virtuais, algo onde expusesse o meu balanço relativamente às actividades desenvolvidas no âmbito das Comemorações do Centenário do Alves Redol, que faria ontem, 29 de Dezembro, precisamente, 100 anos. A leitura do blog O Tempo das Cerejas, no entanto, antecipou a vontade de o fazer.

Portugal e Vila Franca de Xira em particular souberam homenagear um dos mais significativos vultos literários do séc. XX português de forma honrosa. 
Escrevi aqui há cerca de um ano: 


Destaco, desde já, o grafismo da comunicação - criativo, leve e "legível", que destoa dolorosamente da comunicação que, nomeadamente, a Câmara Municipal de Vila Franca faz às iniciativas que organiza. O investimento em comunicação fez com que a cidade se imergisse na figura do homem que dá nome à sua rua principal, o que, mesmo para quem não se interessou minimamente - que ainda os há, enfim -, contribuiu para a valorização da ligação entre o escritor e o seu território e para que ninguém passasse ao lado dessa ligação.

O Programa das Comemorações era diversificado e rico, com o envolvimento de muitas instituições, querendo eu destacar as colectividades, principalmente o União e o Ateneu (porque são aquelas em que estou mais concentrado, só por isso). 
Do União, mais que as actividades da secção cultural, destaco a coragem estética de grafitar o seu pavilhão (isto de colectividades locais e do seu património, às vezes, já sabemos, e não raras vezes, cada um toma conta da sua hortinha e ai de quem queira mudar seja o que for, quanto mais mudar a fachada!), o que deu um toque de contemporaneidade "street" à evocação. 
Em relação ao Ateneu, talvez demasiado auto-centrado, destaco as duas produções do Teatro do Zero: Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos (com encenação e adaptação a partir do texto original minhas) e O Jogo do Mitos Cansados (a partir de O Destino Morreu de Repente, com encenação do Mauro Corage). Provou-se que é possível fazer teatro popular e amador em Vila Franca, com qualidade e bem aceites pelo público. Pena que os nossos governantes locais não tenham estado presentes para ver o que perdem quando deixam de apoiar a iniciativa e a criatividade dos grupos de teatro do concelho... (Faço aqui uma pausa para dizer que o à data vereador da cultura, João de Carvalho, esteve presente na estreia do Constantino; que o, à data, presidente da JF de Vila Franca, José Fidalgo, foi ver esse espectáculo a Bucelas; e que alguns vereadores, em nome pessoal, foram assistir a ambas as produções).

O Museu do Neo-realismo teve uma programação extensa e muito adequada, que só me dá pena por não ter podido desfrutar mais amiúde e calmamente da oferta.

Destaco, ainda, a honestidade intelectual de quem não desligou a actividade literária de Alves Redol com aquela que foi a sua actividade cívica, política e partidária. O meu receio que a despolitização do cidadão Redol como princípio da evocação do escritor, com medo de ferir susceptibilidades, por anti-comunismo básico ou por pura falta de destreza intelectual, não foi completamente acompanhado, o que fica bem a quem organizou as Comemorações, fica bem ao PCP e fica muito bem à história da luta anti-fascista, que teve no neo-realismo uma arma acutilante.


Faço já, então, a ligação a outro centenário, que se comemorará em 2012 - o de Woody Guthrie, cantautor estadunidense. Do homem que tinha escrito na guitarra "This Machine Kills Fascists" pouco se fala, em Portugal pouco se conhece, mas foi, com outros autores como o Pete Seeger, semente que as respostas que o vento soprava da Joan Baez, do Bob Dylan ou do Springsteen, só mais tarde colheram.

Infelizmente para a memória do homem e do compositor popular, os Estados Unidos têm dificuldade em evocar homens e mulheres comprometidos, segundo artigo do New York Times on-line. Injustiça que o comunista Guthrie não tenha sido nunca homenageado na sua Oklahoma natal, facto que, parece, será este ano rectificado. Justiça, enfim, à qual, por gostar do homem, da guitarra e da música, eu prometo prestar atenção em 2012.




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