segunda-feira, outubro 27, 2014

Luto.PT

 Oposição à imagem utilizada pela oposição da Dilma,com a bandeira em B&W e a expressão "Luto".
 Decorreu ontem, no Brasil, a segunda volta daquelas que foram as eleições mais disputadas dos últimos anos. Ganhou a Dilma, com uma margem relativamente curta e com uma divisão regional evidente, como se esperava. Por interesse internacionalista, ligação emocional ao Brasil e porque, durante este processo, escrevi, li, discuti e envolvi-me (ainda que de forma sutil) nos contornos desta eleição, queria aqui deixar o meu contentamento com esta eleição, enquanto expressão de:

1) Derrota da direita, do conservadorismo moral e do liberalismo económico - não o contentamento com a vitória de uma "esquerda moderada", sustentáculo do rosto maquiado de um capitalismo predador, que em 12 anos de PT fragilizou os direitos trabalhistas, aprofundou a depleção ecológica, reforçou a concentração de terras e capitais, aumentou a carga fiscal a trabalhadores e PME's (fala-se da carga fiscal de um país desenvolvido com a distribuição típica de um país em desenvolvimento);

2) Valorização das políticas públicas que promoveram uma maior inclusão, com reflexos nas alterações estruturais na sociedade brasileira e no aumento geral da qualidade de vida das populações, conforme demonstram as estatísticas internacionais. Programas de acesso a habitação, formação superior e capacitação profissional, de proteção social, são expressão de uma lógica de promoção da equidade que não deve ser desprezada - mesmo que, em certos aspectos, se resuma a um assistencialismo que em nada contribui para promover a autonomia;

3) Manutenção e reforço dos blocos políticos internacionais (como a Mercosul e BRICS), que se afiguram como alternativa às instituições internacionais que têm distribuído dependências pelo mundo. Manutenção, ainda, de uma lógica de ligação privilegiada com a América do Sul e Caribe - mesmo sabendo que essa relação tem por base uma lógica de alargamento e afirmação em novos mercados, mais que a solidariedade com o desenvolvimento integrado da região;

4) Evidenciação dos campos sociopolíticos. O que ganhou esta eleição foi a política, mais que o jogo das circunstâncias; foi a militância, mais que a massificação do marketing. O pior da expressão política da oligarquia evidenciou o melhor da militância da coligação - a direita tinha tudo para ganhar e perdeu porque hesitou (entre a Marina e o Aécio) e porque a esquerda, acossada, se mobilizou a tempo.
Não houve, nos últimos 12 anos, uma distinção política tão objetiva. Quem ganhou não foi o resto de oligarquia que ainda apoia o PT, nem foram os dependentes dos programas sociais, mas o movimento, a organização - logo, a reivindicação de base, as propostas mobilizadoras, a valorização do trabalho feito. A oposição faz uma campanha intensa, mas sem propostas, só com agressão, com anátemas, obscura, hipernegativa.
Há, desde já, uma grande preocupação com a unidade do Brasil, face à polarização eleitoral - mas não se pode tratar de forma igual o que é desigual, logo há que assumir as aspirações da afirmação política da esquerda que ganhou as eleições e não viver com medo do que a desinformação pode dizer. Dilma deve fazer o que Lula não fez, porque a definição política que a elegeu não lhe vai dar espaço de manobra.

5) Promoção de uma democracia mais ágil, na linha legislativa já apresentada (que valeu ao PT a acusação de sovietização da política brasileira, mas que é, na essência, análogo ao caminho que a União Europeia, por exemplo, percorre, da criação de instrumentos participativos que respondam à crise da democracia representativa). Promoção de alterações ao sistema político, de forma a promover a governabilidade, sem retirar legitimidade democrática. E que o Brasil não entre na brincadeira equivocada da alternância, substituindo os mesmos pelos mesmos, mas que possa construir alternativas. É caricato ambas as candidaturas terem a "Mudança" como lema, e ouvir-se reivindicar a necessidade de alternância, quando a primeira não é sinónimo da segunda;

6) Ética. Contra uma campanha imoral. A direita baseou a sua campanha real na lógica anticorrupção, mas sem conseguir apagar o seu historial de corrupção. A campanha foi, por ação da direita, uma conversa de WC para ver quem tinha a corrupção maior. Em desespero, e intensamente, valeu tudo. E não, não pode valer tudo. É uma exigência ética que a informação eleve a inteligência, que a opção tenha fundamento. "PT Fora!" era o início, o meio e o fim do argumentário pro-Aécio. No caminho apelava-se a golpe de estado, defendia-se a ditadura militar, xingavam-se os nordestinos, os pobres, os pretos, os beneficiários dos apoios sociais, mandavam-se as pessoas para Cuba ou para a Venezuela (na lógica, tão fascista, do "Brasil, Ame-o ou Deixe-o"). Soluções para o Brasil? A negação de tudo.
As opções respeitam-se. Com as diferenças discute-se, dialoga-se. Às agressões... reage-se. A militância política soube ser maioritariamente ética, mesmo quando o PT no poder não o foi; o fanatismo "PT Fora!", com o caminho aberto pelos erros do PT e pela campanha mediática, não conseguiu contrariar essa militância, porque foi moralista com telhados de vidro, bélico com pólvora seca, negando as evidências ao mesmo tempo que não atacava o que poderia, evidentemente, ser atacado. O vídeo seguinte é uma caricatura amarga desse princípio.


A Dilma, encabeçando uma coligação larga e, em certos sentido, paradoxal, ganhou. Felizmente para o Brasil. A partir deste momento, é lutar, no Brasil, de Portugal ou de qualquer lado do mundo, por um Brasil à esquerda, mais inclusivo, soberano, equitativo, mais participativo e mais ético. Lutar, contra a Dilma, se for preciso, por um Brasil mais desenvolvido.

quarta-feira, outubro 15, 2014

eraumavez.PT.



Era uma vez um país como os outros, onde a vida se desenvolveu como tinha de ser, com clima adequado às suas latitudes, que foi colónia de quem podia, que foi império dentro de casa, república das frutas que merece, ditadura civil e militar, hoje democracia civil e como se quer, com pobres e ricos mas mais pobres que ricos, enfim, como eu disse, um país como os outros.

Era uma vez um país como os outros, habitado de norte a sul e de oeste a leste, com cidadãos uns mais que outros, partidos políticos à esquerda, partidos políticos à direita, muitos partidos políticos de coisa nenhuma que é outra forma de ser de direita, muita gente contra os partidos políticos por serem todos iguais que é outra forma de fazer com que nada mude, um país com imprensa livre para escrever aquilo que as administrações das empresas donas da imprensa definem, e empresas de sondagens, e empresas de marketing, e muitas pessoas inteligentes que dizem aos cidadãos e aos cidadãos um pouco menos que os outros se devemos comer chocolate ou beterraba, qual a moda da estação, se votamos rosa ou azul (vermelho nunca!), o que temos de dizer para parecermos, à saciedade, pessoas inteligentes.

Era uma vez um país como os outros e nesse país como nos outros eu tenho uma posição, uma ambição, uma visão do que pode esse país como os outros se vir a tornar. Nesse país governou muita gente, como noutros países. No meu país, também governaram muitos governos e, era uma vez, esses governos contribuíram para muitos crescimentos – dos impostos, do desemprego, da emigração, da pobreza, da insegurança, da desesperança. Imagino se no meu país, nos últimos 12 anos:
- O PIB tivesse triplicado, assim como o PIB per capita;
- Os lucros das três entidades financeiras públicas, passassem de 184 milhões de euros, 367 milhões e 667 milhões de euros, respectivamente, para 2,7 mil milhões, 5,3 mil milhões e 2,23 mil milhões de euros;
- A produção agrícola tivesse praticamente duplicado, passando de 97 milhões de toneladas para 188 milhões;
- O investimento estrangeiro tivesse crescido mais de 380 por cento, as reservas internacionais aumentaram mais de 1000 por cento e a proporção da dívida face a estas tivesse passado de 557 por cento para 81 por cento;
- O total de empregos criados tivesse passado de 627 mil para 1,79 milhões, anualmente, contribuindo para a queda do desemprego de 12,2 por cento para 5,4 por cento;
- O número de falências tivesse caído cinco vezes, o salário mínimo passou de 66,7 para 241 euros (praticamente duplicou a capacidade aquisitiva de bens do cabaz básico), e a inflação média anual tivesse descido de 9,1 por cento para 5,8 por cento;
- Existisse um programa Universidade Universal a entregar 1,2 milhões de bolsas de estudo e os estudantes do Ensino Superior passassem de 583 mil para mais de um milhão;
- Existisse um programa de capacitação técnico-profissional que envolvesse seis milhões de pessoas, e uns programas Direito à Casa e Direito à Luz que beneficiam 1,5 milhões de famílias e 9,5 milhões de pessoas, respectivamente;
- Tivessem sido criadas quase 6500 creches, contratados 14 mil médicos beneficiando 50 milhões de pessoas, e 22 milhões de pessoas tivessem sido arrancadas da miséria extrema;
- Os indicadores de desigualdade social tivessem caído 11,4 por cento, a taxa de pobreza passou de 34 por cento para 15 por cento, e a de pobreza extrema de 15 por cento para 5,2 por cento;
- A mortalidade infantil tivesse passado de 25,3 por mil para 12,9 por mil, os gastos públicos em Saúde tivessem passado de 9,3 mil milhões para 35,3 mil milhões de euros, e os em Educação de 5,7 mil milhões para 31,3 mil milhões de euros;
- As comarcas de justiça central tivessem passado de 100 para 513 e as operações da polícia central de 48 para quase 1300.

Imaginar que no meu país, com a devida diferença de números, isto tivesse acontecido nos últimos 12 anos, deixa-me com um sorriso. Talvez por isso, nos últimos anos, era uma vez, tanta gente do meu país foi para esse e outros países iguais aos outros. 
Deveria existir um universo com matemática poética e umbigos de gelo. Aí a estatística cantaria e a demagogia seria tão abjeta como o preconceito.

Diria a história, se ela falasse por voz própria, que as sociedades caminham para a equalização. No meu país há uma linha torta nesta escrita, um passo atrás no que diria a história, se ela falasse por voz própria. No outro país de era uma vez, não sei se alguém escreve certo, mas as estradas dão a quem a percorre o sentido do sentido que daqui a alguns anos se dará ao caminho. O que é certo? Certo é valermos pelo que fazemos e não pela qualidade do colchão em que nascemos; certo é buscarmos a independência e recusarmos os impérios, mesmo quando são os nossos; certo é um homem ou uma mulher poderem recusar ser escravos; certo é culpar a exceção, não a regra; certo é ter em cada homem um irmão, que defendemos independentemente da sua posição de classe, de credo, de ideologia ou da quantidade de erros que tenha cometido; certo é não julgarmos o universo pelo tamanho do nosso umbigo. Deveria existir uma Declaração Universal da Ética Humana, que dispensasse de uma vez o conceito de tolerância; que sublimasse a arrogância do certo e do errado. Mais que uma declaração dos direitos: era uma vez o direito à concentração de arrogância travestida de ações da NASDAC e de dívida privada assumida publicamente com carimbo do Fundo Monetário Internacional, perante os quais todos os outros direitos não existem – esta é a história com que nos deitamos todos os dias.

Nestas coisas do deve e do haver, todos errámos. Um país como os outros, partidos como os outros, pessoas como as outras. Todos erramos. Nem se coloca a questão de quem errou mais ou menos – errar é errar. Era uma vez um país e uma eleição. Discutem-se projetos, discute-se um futuro. Diria a história, se ela falasse por voz própria, que as sociedades caminham para a equalização, mas é raro o caminho fazer-se a direito – o que não é a mesma coisa que retroceder.

Era uma vez um país como os outros, que não voltou atrás. É com esta história que quero adormecer dia 26.