segunda-feira, agosto 27, 2012

Querido mês de Agosto

Assim em jeito de começo de carta, logo após a indicação "Vila Franca de Xira, 27 de Agosto de 2012":

Meu Querido mês de Agosto

Voltas de longe, vais até para o ano, e sempre, sempre, para quem normalmente fica, és uma ausência a que ninguém se importa - desincomodada no trânsito, nos telefonemas, no silêncio quase solidão do trabalho. Mas nunca, nunca, ansiei que partisses para outra fronteira e outro tempo, como agora o anseio - à espera, eu, de outro mês que traga as pessoas ao trabalho e, com elas, que traga as respostas que anseio, que traga o trabalho.

Lânguido em lânguido, mas eu nem por isso sou impossivelmente mole, triste ou me deixo ficar expectante. És um mês mudo num tempo calado e eu já sei que não sou daqui. Quero a acção e quero ser quem sou - não, não quero isto, aqui, mole, triste e expectante.

Estamos quase. Para o ano talvez te veja em inverno.
Agora, acaba bem!

terça-feira, agosto 07, 2012

E morreste

É inevitável que nos que os outros lêem como prostração, no ar abandonado do corpo, nos ombros caídos, nos olhos perdidos num dia de ontem, eu seja apenas recordações. Eu seja todos os passos que dei contigo.

Sinto-te em falta porque nunca cheguei a ter que te perdoar, porque nunca precisei a sério de ti, de modo que o que te afastava dos outros era para mim risível, um encolher de ombros displicente que damos às crianças que fazem asneiras sem o saber. Tu eras assim e isso era absoluto. Mas um absoluto sem poder, por isso ria. Como outros choram, ou como outros te perdoam no que poderias ter sido diferente - porque outros esperavam que pudesses ter sido diferente. Mas não: foste sempre tu e eu também não te mudo por isso depois de morto. Nem sinto que tenha que perdoar alguma coisa, ou que a tua ausência me deva explicações. Amo a imagem de ti com a mesma distância com que esperei - se algum dia esperei - recuperar os meus dedos a rasgarem o Tejo quando o barco que remavas nos colocava no centro do estuário.

E morreste. No refluxo das memórias, vejo o meu reflexo nas tuas mãos em concha, segurando a água suja do Rio. Vês que não é tão suja, asseguravas-me, e eu surpreendia-me com a transparência da água, ainda assim suja, como que parte dos sentidos impedindo-me de bebê-la, por qualquer razão eu desconfiando de ti. Os avôs sugerem sempre aos netos impossibilidades mágicas que, mais que os pais que são tendencialmente impacientes, transcendem sapiências humanas.

Mas, avô, a magia acaba-se, em nós, nos rebuçados contados. E nos rebuçados começou, em nós, uma displicência injusta, em que eu me permitia humanizar-te nos rebuçados que guardavas para ti, mais tarde nas cervejas a mais que não permitias, no tolerar intolerâncias à invasão do teu espaço. Injustas, sim, porque rebuçados e espaço, tudo era, de facto, teu e ninguém te podia exigir a simpatia dos avôs que não tinhas. Mas displicentes, porque os avôs nasceram para serem mágicos, não gulosos avaros. Uma criança grande, a cujas traquinices o neto fechava os olhos - para que nunca deixasses de ser o centro da família que foste até à última quarta-feira, quando morreste antes que eu chegasse para me despedir.