Se podíamos precocemente abandonar a
escrita e o corpo, para sermos despojos de nós mesmos numa cave
perdida na cidade? Não serei Rimbaud, mas serei mais eu ao
escutá-lo, no pó levantado da inquietação que me perspaça.
Ansiava entrar na Casa Conveniente. A
minha curiosidade era fotográfica e já não se conseguia satisfazer
com a fotografia, os 10 metros que nos separam 10 horas por dia eram
uma distância que tinha que vencer. E anteontem venci-a. Para me ver
vencido. Pela Virgem Doida, um espectáculo de Mónica Calle.
Não se entra e senta. Entra-se,
assustamo-nos, hesitamos, a nossa confiança é abalada pela figura
que se nos apresenta, sentamo-nos tacteando a cadeira – uma
eternidade que não acaba refastelada, a inquietação mantém-se, e
mantém-se, e mantém-se, no ciclo contínuo que dura uma noite, e só se desvanece quando, cansados de nós
mesmos, abandonamos a Casa para procurarmos sossego.
Rimbaud foi precoce e intenso em tudo o
que em Rimbaud é significativo, e isso magoa. A Virgem Doida dói,
no seu despojamento. Um abandono ritmado, peça a peça, na roupa que
se veste e na roupa que se despe, no pó levantado que espreita por
entre a luz dos projectores, dos contrastes nas formas, das palavras
musculadas, nos músculos retesados feitos palavras – sem melodia, uma zona de guerra entre deus e o diabo, com a mulher e
o homem desfeitos, assumidamente, mas de cérebro intactamente
insano, assumidamente. Condensados, no limite, nuns olhos e numa voz
que nos humaniza despojados.
E, talvez porque perdemos a moral,
saímos de lá com vontade de pensar.
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