quarta-feira, junho 06, 2012

“A moral é a debilidade do cérebro.”


Se podíamos precocemente abandonar a escrita e o corpo, para sermos despojos de nós mesmos numa cave perdida na cidade? Não serei Rimbaud, mas serei mais eu ao escutá-lo, no pó levantado da inquietação que me perspaça.

Ansiava entrar na Casa Conveniente. A minha curiosidade era fotográfica e já não se conseguia satisfazer com a fotografia, os 10 metros que nos separam 10 horas por dia eram uma distância que tinha que vencer. E anteontem venci-a. Para me ver vencido. Pela Virgem Doida, um espectáculo de Mónica Calle.

Não se entra e senta. Entra-se, assustamo-nos, hesitamos, a nossa confiança é abalada pela figura que se nos apresenta, sentamo-nos tacteando a cadeira – uma eternidade que não acaba refastelada, a inquietação mantém-se, e mantém-se, e mantém-se, no ciclo contínuo que dura uma noite, e só se desvanece quando, cansados de nós mesmos, abandonamos a Casa para procurarmos sossego.

Rimbaud foi precoce e intenso em tudo o que em Rimbaud é significativo, e isso magoa. A Virgem Doida dói, no seu despojamento. Um abandono ritmado, peça a peça, na roupa que se veste e na roupa que se despe, no pó levantado que espreita por entre a luz dos projectores, dos contrastes nas formas, das palavras musculadas, nos músculos retesados feitos palavras – sem melodia, uma zona de guerra entre deus e o diabo, com a mulher e o homem desfeitos, assumidamente, mas de cérebro intactamente insano, assumidamente. Condensados, no limite, nuns olhos e numa voz que nos humaniza despojados.

E, talvez porque perdemos a moral, saímos de lá com vontade de pensar.

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