quinta-feira, dezembro 27, 2012

Revelações de Final de Ano

Revelações de final de ano, em jeito de balanço.

1 - Adoro mandar. Em geral gosto de mandar com outros, democraticamente. Mas sou um ditador quando mando alguém à merda.

2 - O melhor café do mundo não é o de S. Tomé! O melhor do mundo são as crianças.

3 - Há pessoas que têm pobres de estimação. Os pobres deviam ter certas pessoas para estivação.

4 -  Há dois dias que durmo mal, com pesadelos - é o subconsciente a pedir-me Mefaquin! Ou a voz do Passos Coelho a pedir-me para emigrar.

5 - Mais vale mil anas em privado que uma ANA privatizada!

6 - Todas as pessoas inteligentes deviam ter comportamentos símios uma vez por ano, para que todas as outras entendam que, afinal, as pessoas inteligentes são alcançáveis e entendem o sexo casual como uma coisa muito boa e não apenas no seu imenso potencial estético-sociológico!

Seis revelações, sendo aqui o seis o inverso de nove, que quer dizer, cabalisticamente e em todas as línguas, novo, o que quer dizer que seis é velho.

Acabou-se 2012, em Matanzero.

terça-feira, dezembro 18, 2012

Criatividade Matemática

Problema:
4 - 3 - 5; 1, 4, 3: 5. 1, 3, 1, 5 - 2 - 1.
3: 4. 4, 2, 3; 5 - 3 - 3; 3, 2?
2 (3), 4 - 3...
1, 2, 4! 3: 5, 3, 3; 1, 4, 6 - 4 -, 5, 3, 2: 4, 2. 3.

Resultado:
Às vezes o frio - essa faca afiada - corta-me os nervos sem piedade; frio, onde me encontro desprotegido, sem aparência de consolo: exijo ao sol que exista. Aqui, abraçando o peito, avanço, sem vontade de me reconhecer - ou reaquecer - sozinho.
Assim não consigo: Estar aqui não compensa. Não são só saudades, no vazio, que aqui sinto; é uma ânsia de suor - espontaneidade do suor - que procuras respirar; ou miragem desolada, porque não?
Resta-me viajar (para muito longe), ao cerne da mulher - Vem para mim...
Paro, prescuto silêncios, sonho com tantas distâncias! Retomo o caminho: para longe do inverno frio, mergulho sem mar, onde me encontro; longe, onde brilha o sol, e a noite é amor refeito - emaranhado de ondas nuas -, e a aurora é ocaso, acaso sem tempo, pudor perdido: vem à viagem comigo, ao sul. Como se quisesses.

(Exercício de escrita criativa)

Como nossos pais


Vivo à noite e, à noite, as cidades, mesmo as pequenas e suburbanas como a que moro - quanto mais as grandes capitais! - vão todas ao encontro da pena. Pena, como uma neblina, que arrasta a perda para lá da vida, como uma longa solidão feita de moinhos de vento que ousamos atacar sem tempo.
A noite traz memórias que julgávamos perdidas, transplanta em quem vagueia a genética dos espaços, os passos dados por quem passou por aqui antes, em noites frias como estas, indo para o trabalho ou saindo da tasca, indo para a tasca ou para encontro proibido - de política ou de amor -, sei lá, passos orgânicos de uma identidade que ninguém nem nada destroçava, feitos de uma juventude sem idade. Passos de quem estava, de quem, à noite, marchava contra a noite; de quem vivia e sonhava; de quem construia castelos de futuro com fundações de esperança. De quem destilava as palavras para as beber sem outro apego que não fosse o que pudessem trazer as palavras.
A noite é uma desolação só, acompanhada de tudo o que nos falta. O tempo passou pela minha cidade e, na paisagem, a cidade cresceu. E cresceu também e principalmente em sombras e silêncios. O sangue da cidade, esse, espessou no cal das suas artérias, amoleceu e agora conta divisas e já vomita o que ainda não comeu - dos que vieram depois, quem ainda está, adensa-se ou quer partir!

Na minha cidade reúnem-se, solenemente, para cantar e contar longas histórias antigas, amigos dos meus pais para quem o tempo foi sincero. Muitos deles é que não foram, mas isso são outras histórias que merecem ser contadas depois. O tempo traz-mos, de bandeja, para me rever neles. Não no silêncio, mas na alegoria do silêncio. E das sombras que nos perseguem. Mesmo cantando!
É justo que sintam essa dor comigo e com os meus amigos - fizeram muito, mas trouxeram-nos de volta ao sítio de onde partiram. Será também justo que resistam connosco, num matrimónio de gerações, ou que se calem para sempre.

(Relembrando Brecht: ”Os tempos modernos não começam de uma vez por todas…, o meu avô já vivia numa época velha, o meu neto talvez ainda viva na antiga. A carne nova come-se com velhos garfos. Épocas novas não a fizeram os automóveis, nem os tanques, nem os aviões sobre os telhados, nem os bombardeiros. As novas antenas continuam a difundir as velhas asneiras. A sabedoria continuou a passar de boca em boca.”

Mas não se vê à noite. Não aqui.)
 

quinta-feira, novembro 08, 2012

Do Obama e dos 95 anos da Revolução de Outubro

(Imagem com qualquer coisa de provocador, propositadamente colocada à esquerda).

Confesso que, em 2008, exultei com o fenómeno Obama. Recordo-me do fascínio com a oratória, a agitprop mobilizadora, a esperança e a mudança nas bocas do mundo. Obama ganhou e, no mundo e nos Estados Unidos, não mudou grande coisa. Em 2012, face à possibilidade Romney a encabeçar o fascizante Tea Party, não hesito em me congratular com a vitória do Obama - mas não regozijo, porque não acredito numa mudança radical na política interna e externa dos Estados Unidos. Temo que nos esperam mais quatro anos de capitalismo wallstreetiano, o degradar da esperança e uma série de lutas que, muitas delas, terão na figura do presidente estadunidense o alvo principal - pelo que ordenar, pelo que fizer, pelo que não conseguir fazer e pelo que não quiser fazer.

Ontem, no dia da sua segunda eleição, cumpriam-se 95 anos daquele que foi (para mim, mas não apenas) o momento mais marcante do século XX - o que viria a influenciar todos os processos políticos desse século -, o momento em que, pela primeira vez na história, os trabalhadores fundavam um Estado seu - a Revolução de Outubro, cuja consequência seria a fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Nas palavras do jornalista americano John Reed "Tinha começado a edificar na Terra um reino maior que o dos céus, pelo qual era uma glória morrer" (in Os Dez Dias que Abalaram o Mundo). E foi isso - a conquista da felicidade na Terra, a antecipação do céu prometido (que correspondia, ontem como sempre, ao adiar da revolta, como se dar a outra face nos concretize em Humanidade), o fim do determinismo de classe e o fim das classes. Ideais belos, justos e sinceros - "o melhor do mundo", que é o que, tantas vezes, nos esquecemos de exigir, enovelados que estamos no pragmatismo da realidade e na emancipação do nosso próprio umbigo. Não me vou debruçar sobre os 75 anos de União Soviética, as suas conquistas e os seus erros - deixo isso para outras discussões, mas temperado com um "Desafio" do Mário Castrim:

Não afianço que a solução
ideal
para a Humanidade
fosse aquela da URSS
(aliás nunca pensei
que fosse o ideal
embora não andasse
longe de o pensar
e paguei caro
pela avaliação
que depois fiz de mim)

Portanto, não digo.
Mas digo que
com todos os erros
e todos os desvios
(e até se quiserem
alguns crimes)
jamais houve na História
sistema que estivesse
mais perto da justiça.
Achas que não? Então diz-me qual foi.
Mas diz.
Não abanes apenas a cabeça.

Faz falta a União Soviética. Ao mundo. Menos ao Obama - que nunca concretizará a ideia da imagem acima, nem se aproximará da ideia de socialismo, por muitos Medicare's que aprove - que poderá continuar a lançar ataques preventivos com drones, a espalhar unilateralmente a hegemonia dos Estados Unidos e a fazer do mundo um espaço cada vez mais inseguro e a alimentar o culto da sua própria personalidade, como um messias (daqueles que fingem que dão a outra face e prometem o céu para depois), não vá a malta lembrar-se de começar a querer alternativas "de facto". Ou será que já não se lembraram disso?

sábado, outubro 27, 2012

Inquietação

Não consigo perceber o que quero. Mas sei bem o que não quero. E é no que não quero que invisto, porque não quero mais nada (ou pelas circunstâncias, as circunstâncias...).

Verso a verso, esta música soterra-me e liberta-me, ano após ano há tantos anos. Sei porquê. "Porquê não sei ainda". Aqui, na bela ambiência dos Dead Combo e da voz do Camané.


terça-feira, outubro 16, 2012

Luta à mostra...

Não consegui estar presente ontem, no cerco a S. Bento. Como não consegui ir à Praça de Espanha, nem ao final da Marcha da CGTP, no passado sábado - um pessoa, à falta de pão seco, agarra-se às migalhas que vai apanhando, mesmo quando isso a impede de estar nos sítios onde sente que é importante estar.

O cerco de ontem teve duas coisas a que sou bastante sensível: a luta por uma sociedade mais justa, em específico quando as medidas que nos têm sido apresentadas contrariam exactamente esse caminho e obrigam a uma luta, ela mesma, mais combativa; e maminhas. Se me tivessem dito que iria haver maminhas eu acho que tinha faltado ao trabalho!

As revoluções de carácter liberal têm sido representadas pela nudez feminina. A força da Liberdade de Delacroix, ou a República, são exemplos disso. Mas tenho-as imaginado sempre com belezas suadas, carvão na cara, pólvora em todo o lado, o vestido a ser dissolvido, fibra a fibra, pelas ondas de choque das explosões, um homem exangue que antes de finar-se se agarra com mais força, o prender-se o pano no escalar da barricada... Ao retratá-las, elas são a força, são a vitória, a dor e a alegria. E são milhões...


Não ponho de lado qualquer tipo de luta, pacífica ou violenta. Se despirem-se contribui para chamar mais gente, pacificar a repressão e "excitar" as massas, em nome de uma radicalização da luta, que se dispam - até eu me despiria, se não acreditasse que seria contraproducente!

Mas continuo a esperar pelas mulheres que inspiraram o Delacroix...




quinta-feira, setembro 13, 2012

Reflexões para um debate sobre cultura e associativismo popular


Ao entender o acesso à cultura e ao pensamento estético como factores de emancipação dos indivíduos - porque contribui para essa emancipação o indivíduo saber-se capaz de agir esteticamente -, temos que entender que as nossas responsabilidades enquanto criadores, programadores ou dirigentes de organizações culturais, são responsabilidades políticas. Quando criamos, programamos ou gerimos uma organização, fazemos opções, que são sempre ideológicas.
As colectividades de cultura e recreio, são, como actores sociais, também ideológicas. Desde o seu surgimento, com a primeira banda filarmónica a nascer no século XVIII, vieram cumprir esse papel, sendo as suas estruturas reflexo das dinâmicas sociais de cada período – tubos de ensaio dos processos de luta de classes. Quando, nas sociedades feudais e no advento da burguesia, a criação cultural era um privilégio dessas classes, a criação de sociedades filarmónicas ou dramáticas veio corresponder às aspirações das classes mais baixas em fruir e desenvolver aptidões estéticas e artísticas. Funcionam, como dizia em 1908 o presidente do Ateneu “como elemento de educação e de estímulo, e demonstração que as classes populares, operárias e artísticas, não eram, como as consideravam os elementos conservadores, classes inúteis e incapazes de colaborarem no progresso da sociedade.” Nesta cronologia que passa pelas lutas liberais, pela emergência dos ideais socialistas e republicanos, pela concretização da República, pelo fascismo, o 25 de Abril e, digamos assim, a consolidação (diluição?) da democracia, existindo na generalidade um sentido interclassista na composição social destas associações, não é raro existir uma diferenciação ideológica, quer entre colectividades, quer dentro da própria colectividade.  Não é raro, numa mesma vila ou cidade existirem duas ou três bandas filarmónicas, que correspondem a diversos interesses (e aqui, o assumir que não tem interesse é também defender um interesse), como por exemplo, em Vila Franca de Xira, a Fanfarra 1º de Maio (que viria a dar origem ao Ateneu) e Real Sociedade Instrução Musical Vilafranquense, que em 1891 representavam os ideias republicanos e de apoio à monarquia, respectivamente. Com a implantação do Fascismo e a instrumentalização pelas autoridades das associações, é também nas colectividades que a resistência se afirma, com a orientação de participação nessas organizações, dinamizando espaços de oposição, eminentemente culturais, mas que passam a potenciar essa mesma resistência - A Cultura como uma arma colectiva ao serviço do progresso histórico! Em Vila Franca e no Ateneu, nos anos 40, são jovens como Alves Redol, Arquimedes da Silva Santos, Dias Lourenço e Carlos Pato que protagonizam a criação de bibliotecas, a reanimação do grupo cénico, a realização de conferências sobre arte e sociedade, garantem um novo impulso à criação musical, que dinamizam e impulsionam o movimento neo-realista. Em 1948, o presidente da direcção, Carlos Pato, é preso a seguir a uma Assembleia Geral (presidida por Alves Redol), perdendo a vida na sequência dessa prisão. Ou quando, em 1976, se dá a ocupação do terreno onde viria a ser construída o actual Centro Cultural do Ateneu.

Como referi, se nada se faz sem um cunho ideológico, a gestão de uma organização, a produção e a criação culturais fazem sempre parte e são afirmações de processos políticos. Que se expressam, a maior parte das vezes, pela não participação e pela não criação; e, quando se expressam, na maior parte das vezes, vêm com posições pretensamente neutrais, de entretenimento pelo entretenimento, de agradar a todos e de, especialmente, a quem pode dar mais migalhas (posições que, como também já referi, expressam uma posição, eminentemente passiva face às circunstâncias).
Porquê gerir uma associação? A perplexidade da pergunta é ideologia de montante (antevê dificuldades).  Talvez a pergunta seja: quem é que pode, hoje, gerir uma organização asfixiada financeiramente, que vê reduzido o financiamento público ano após ano, que vê as instituições públicas a funcionarem como concorrentes, as instituições privadas sem interesse, os públicos afastados? Só a relação emocional e emocionada de sócios com relação histórica tem mantido as associações populares abertas e a cumprirem o seu objecto social. Mas apenas com a "boa-vontade" não é possível enfrentar (1) a complexificação dos processos de gestão, que exigem uma profissionalização da estrutura para responder às obrigações administrativas, à procura de financiamentos e a uma programação adaptada aos espaços e aos públicos, o que não se coaduna com a gestão voluntária feita no horário possível, cada vez mais difícil de conciliar dentro de um colectivo, fruto da flexibilização do trabalho e da instabilidade da vida profissional de cada um de nós; (2) a ultra individualização da sociedade e as alterações sociológicas promovidas pela desindustrialização e a urbanização desregulada das últimas dezenas de anos, que provocaram a quebra de laços históricos da população e um alheamento generalizado em relação às coletividades locais; (3) o desinvestimento público, mais uma vez, que despreza o serviço público de promover serviços formativos e de fruição na área cultural e desportiva - função social do Estado - preconizado pelas associações populares. A jusante, depois de assumida a responsabilidade, todos estes problemas se concretizam, e intensificam... 
Mas assumir a responsabilidade é também um acto de resistência. Lembre-mo-nos: uma associação popular cumpre funções sociais que, na sua essência, correspondem a uma ideologia de emancipação pela pedagogia estética e pela criação de espaços de sociabilidade. A ideologia dominante, por outro lado, promove uma cultura individualista, do it yourself, fast food, de comando na mão on demand, de sentar no sofá e não pensar. É natural que a solução para as colectividades se queira fazer passar por aí - porque é o mais fácil! É programar para vender, criar à medida do gosto dos outros, na esperança de sobrevivência. Mas essa não é solução, porque cria apenas soluções imediatas (quando as cria), não estruturais. A outra opção é fazê-lo com uma cultura popular e ecléctica, na forma e no conteúdo, que incentive e respeite os criadores, que vá de encontro aos públicos, mas que os transforme – estética e politicamente. Que chame as pessoas aos espaços, uma e outra vez, e que lhes crie o gosto de os ocupar, de participar, de fazer parte. E que as colectividades possam ser, cada vez mais, centros pedagógicos do Colectivo. Capazes de promover uma sociedade mais justa, participada e solidária.

segunda-feira, agosto 27, 2012

Querido mês de Agosto

Assim em jeito de começo de carta, logo após a indicação "Vila Franca de Xira, 27 de Agosto de 2012":

Meu Querido mês de Agosto

Voltas de longe, vais até para o ano, e sempre, sempre, para quem normalmente fica, és uma ausência a que ninguém se importa - desincomodada no trânsito, nos telefonemas, no silêncio quase solidão do trabalho. Mas nunca, nunca, ansiei que partisses para outra fronteira e outro tempo, como agora o anseio - à espera, eu, de outro mês que traga as pessoas ao trabalho e, com elas, que traga as respostas que anseio, que traga o trabalho.

Lânguido em lânguido, mas eu nem por isso sou impossivelmente mole, triste ou me deixo ficar expectante. És um mês mudo num tempo calado e eu já sei que não sou daqui. Quero a acção e quero ser quem sou - não, não quero isto, aqui, mole, triste e expectante.

Estamos quase. Para o ano talvez te veja em inverno.
Agora, acaba bem!

terça-feira, agosto 07, 2012

E morreste

É inevitável que nos que os outros lêem como prostração, no ar abandonado do corpo, nos ombros caídos, nos olhos perdidos num dia de ontem, eu seja apenas recordações. Eu seja todos os passos que dei contigo.

Sinto-te em falta porque nunca cheguei a ter que te perdoar, porque nunca precisei a sério de ti, de modo que o que te afastava dos outros era para mim risível, um encolher de ombros displicente que damos às crianças que fazem asneiras sem o saber. Tu eras assim e isso era absoluto. Mas um absoluto sem poder, por isso ria. Como outros choram, ou como outros te perdoam no que poderias ter sido diferente - porque outros esperavam que pudesses ter sido diferente. Mas não: foste sempre tu e eu também não te mudo por isso depois de morto. Nem sinto que tenha que perdoar alguma coisa, ou que a tua ausência me deva explicações. Amo a imagem de ti com a mesma distância com que esperei - se algum dia esperei - recuperar os meus dedos a rasgarem o Tejo quando o barco que remavas nos colocava no centro do estuário.

E morreste. No refluxo das memórias, vejo o meu reflexo nas tuas mãos em concha, segurando a água suja do Rio. Vês que não é tão suja, asseguravas-me, e eu surpreendia-me com a transparência da água, ainda assim suja, como que parte dos sentidos impedindo-me de bebê-la, por qualquer razão eu desconfiando de ti. Os avôs sugerem sempre aos netos impossibilidades mágicas que, mais que os pais que são tendencialmente impacientes, transcendem sapiências humanas.

Mas, avô, a magia acaba-se, em nós, nos rebuçados contados. E nos rebuçados começou, em nós, uma displicência injusta, em que eu me permitia humanizar-te nos rebuçados que guardavas para ti, mais tarde nas cervejas a mais que não permitias, no tolerar intolerâncias à invasão do teu espaço. Injustas, sim, porque rebuçados e espaço, tudo era, de facto, teu e ninguém te podia exigir a simpatia dos avôs que não tinhas. Mas displicentes, porque os avôs nasceram para serem mágicos, não gulosos avaros. Uma criança grande, a cujas traquinices o neto fechava os olhos - para que nunca deixasses de ser o centro da família que foste até à última quarta-feira, quando morreste antes que eu chegasse para me despedir.

domingo, julho 15, 2012

Que Fazer?

A infalibilidade dos livros: fazer-nos pensar. A sério, mesmo os maus! O fim da leitura é o fim do diálogo.

Este fim-de-semana foi uma barrigada de teatro, para usar a expressão da Flôr. Ontem, fui ao Festival de Teatro de Almada, com a confiança de quem volta a casa, certo da qualidade do que iria  ver. E não me arrependi.

O espectáculo Que Faire?, pelo Théatre Dijon Bourgogne, foi uma discussão com a história, através dos livros redescobertos. E a história trouxe-nos aonde? Tantas palavras desenquadradas dos conceitos - o que é o totalitarismo, a democracia, a "liberdade, igualdade, fraternidade"? As revoluções passaram e as revoluções que consequências trouxeram? E, que faire?, reutilizando a velha expressão de Lenine? Os manuais estão aí, as palavras são para ser usadas, os direitos para serem cumpridos e as Constituições são para ser usadas. E é constitucional mudarmos isto tudo!
Neste contexto, direi apenas que tivessem ido ver a peça; outros dias falarei do que faire.

Grandes, grandíssimos actores. Pena as legendas não conseguirem acompanhar os diálogos (a minha chamada de atenção à CTA). E pena o meu francês estar pelas horas da amargura (uma muito séria chamada de atenção para mim, que tenho que recuperar rapidamente a fluência na língua de Molière). Daí não conseguir explicar porque tenho pena que o espectáculo me ter parecido ter uma narrativa descontínua, enorme nos quadros, diálogos mas a espaços com uma ligação confusa. Nada que tenha estragado o momento.

Aqui fica um excerto.

A ética permite a vingança

A amizade é o sentimento mais nobre que se estabelece entre dois seres humanos. É mesmo o mais sólido - aquele que atravessa as alegrias, as agruras, a distância, o silêncio, para se reencontrar numa mesma empatia sem tempo, onde a partilha começa a cada vez que a amizade se materializa como se não tivesse havido sequer uma interrupção no diálogo. A amizade é maior que diferenças de raça, ideológicas ou clubísticas; os amigos encontram-se como são e só se separam quando deixam de ser -  só a traição quebra esta elo.

A nobreza, não no sentido nobiliástico mas no de carácter, está em extinção. A sua ausência revela o pior que existe no ser-humano, tão apto a vender-se por dinheiro, a refugiar-se no seu medo e no seu egoísmo. Tão atraído pelo poder - quantas vezes pelos poderzinhos de circunstância, de vénias a líderes medíocres e a messias imberbes...

Fui sexta-feira passada ao Teatro-estúdio Mário Viegas, ver o espectáculo Destinatário Desconhecido, pelo Trêsmaisum Teatro.

Dois homens, Max e Martin. Entre eles, nem a distância entorpece o contacto, num pre-2ª Guerra onde as notícias dos amigos vinham movidas a motor, tão longe dos dias de hoje em que a distância é um estado de espírito. O diálogo é ininterrupto entre Max e Martin, o primeiro judeu e o segundo alemão, dois "corações liberais" que falam de negócios, da família, da realidade das sociedades pós 1ª Guerra Mundial, da ascenção de Hitler e da perseguição aos judeus.
Tempos difíceis, de indefinição, de mudanças de poder, de crise económica e crise política, tempos tão atractivos para quem se deixa ir na corrente, para quem não olha a meios para lucrar, para quem quem quer escalar a pirâmide social sem pensar nas cabeças que pisa. Tempos maus para a Amizade. Onde é que eu já vi isto?

O Trêsmaisum Teatro apresenta um espectáculo intimista, como uma conversa à volta de uma mesa, rodeada de amigos e umas garrafas de vinho. Um convívio com as interpretações bem conseguidas e uma iluminação e cenografia que permite a partilha. E é nessa proximidade que nos envolvemos, que nos inquietamos e que, depois, nos vamos sentido traídos pelo tempo, pelos tempos. Pelos Homens.

O carácter de alguém é facilmente medido pelo número de amigos que tem - amigos sinceros, daqueles que não vacilam. Dos que não traem.
A traição da amizade apela à ética. E, há 80 anos como hoje, a ética permite a vingança. Mesmo a cruel. Porque o que melhor temos e oferecemos não pode ser destruído de forma incólume, à espera do esquecimento da história. E é verdade, a vingança, o obrigar os culpados a pagar, permite-nos sair do teatro com a sensação de dever cumprido. E abertos, sem ferida, à amizade que se oferece.

A não perder, espero, em breve, no Ateneu.

quinta-feira, julho 12, 2012

Ladrilhos

Nós somos um quadro ladrilhado no que somos. Somos estilhaços que nos passaram e que guardamos numa memória por que nem sempre ansiamos. Há pessoas que nos dão correr na praia, outros o Tejo contemplado quando voltamos, tantos que nos inspiram a partir, prédios que parecem corpos, dão-nos cigarros e cervejas, aprender a abrir a janela do carro para escarrar, outros dão-nos livros e há quem nos dê melancolia, sorrisos, o inclinar a cabeça para um beijo, a solidão acompanhada por palavras. Palavras?
Ladrilhos. Pequenas montagens de um universo também ele pequenino, de caber na palma da mão, onde nos vemos (e eu vejo-me) na montra confusa da montagem que somos.

quarta-feira, junho 06, 2012

“A moral é a debilidade do cérebro.”


Se podíamos precocemente abandonar a escrita e o corpo, para sermos despojos de nós mesmos numa cave perdida na cidade? Não serei Rimbaud, mas serei mais eu ao escutá-lo, no pó levantado da inquietação que me perspaça.

Ansiava entrar na Casa Conveniente. A minha curiosidade era fotográfica e já não se conseguia satisfazer com a fotografia, os 10 metros que nos separam 10 horas por dia eram uma distância que tinha que vencer. E anteontem venci-a. Para me ver vencido. Pela Virgem Doida, um espectáculo de Mónica Calle.

Não se entra e senta. Entra-se, assustamo-nos, hesitamos, a nossa confiança é abalada pela figura que se nos apresenta, sentamo-nos tacteando a cadeira – uma eternidade que não acaba refastelada, a inquietação mantém-se, e mantém-se, e mantém-se, no ciclo contínuo que dura uma noite, e só se desvanece quando, cansados de nós mesmos, abandonamos a Casa para procurarmos sossego.

Rimbaud foi precoce e intenso em tudo o que em Rimbaud é significativo, e isso magoa. A Virgem Doida dói, no seu despojamento. Um abandono ritmado, peça a peça, na roupa que se veste e na roupa que se despe, no pó levantado que espreita por entre a luz dos projectores, dos contrastes nas formas, das palavras musculadas, nos músculos retesados feitos palavras – sem melodia, uma zona de guerra entre deus e o diabo, com a mulher e o homem desfeitos, assumidamente, mas de cérebro intactamente insano, assumidamente. Condensados, no limite, nuns olhos e numa voz que nos humaniza despojados.

E, talvez porque perdemos a moral, saímos de lá com vontade de pensar.

sexta-feira, junho 01, 2012

Relvas desejou "felicidades" à selecção...

... e a meio do jantar descansou a comitiva, tomando a iniciativa de prometer à equipa técnica a disponibilização de toda a informação pessoal disponível sobre as equipas adversárias e os árbitros, bem como facilitar os momentos de lazer e descontracção da equipa das quinas, com todos os segredos provados de Balsemão e Ricardo Costa.

O inefável Relvas aconselhou, ainda, Cristiano Ronaldo a evitar, neste período, manter encontros com Irina, suspeita de acções de espionagem e de ter uma relação com Putin, algo que poderia por em causa a prestação do craque e a compra de gás natural a preços minorados.

A selecção parte hoje para Lisboa, para preparar o particular com a Turquia de amanhã.

Mais notícias no período da tarde.

terça-feira, março 27, 2012

Vamos ao Teatro!


Passa mais um ano, mais um Dia Mundial do Teatro, e nisto dos dias mundiais lembro-se sempre daquelas pessoas que dizem "ah, para mim todos os dias são dias mundiais de...". 
É verdade! 25 de Abril Sempre!, Dia do Trabalhador são todos para quem é trabalhador, e da Mulher talvez devessem ser mais, mas existirem dias em que nos sentamos para reflectir sobre cada um destes temas, permitir que essa reflexão alimente a vontade de colocar em todos os dias os valores dos dias que são mundiais e nacionais por alguma razão, tem a razão exactamente de voltarmos a esses valores, como que a aprimorar a Ética. As pessoas que dizem "ah, para mim todos os dias são dias mundiais de...", recusam (?) o fetichismo mercantilista que desvirtua a essência destes dias, que é uma essência de afirmação, mas esquecem-se também dessa essência e encerram-se sozinhos na sua critica (ou, ligando à anterior interrogação, sozinhos sem crítica).

Neste Dia Mundial do Teatro, não vou lutar pelo Teatro sozinho. O Teatro, como a cultura em geral, é património de um território, faz parte e constrói uma história, é componente fundamental da estrutura de um povo - por isso magoa vê-lo abandonado à sua sorte, sem o apoio e o incentivo de todos nós (Estado), sem uma educação de base que crie públicos, sujeito a pintar retratos a mecenas - situação tão Renascentista! - apenas com a cara que têm os mecenas, ou seja, só a fazer aquilo que quem dá o dinheiro (que é privado, não somos todos nós) quer!

Deixo, aqui, a mensagem do Dia Mundial do Teatro de 2012, escrita pelo grande John Malkovich:

“Fico honrado por o ITI – Instituto Internacional do Teatro – me ter pedido para fazer este discurso comemorativo do 50º aniversário do Dia Mundial do Teatro. Vou então dirigir estes breves comentários aos meus companheiros de teatro, meus pares e meus camaradas.
Que o vosso trabalho possa ser apaixonante e original. Que ele possa ser profundo, comovente, contemplativo, e único. Que ele nos ajude a reflectir sobre a questão do que significa ser humano, e que esta reflexão seja guiada pelo coração, sinceridade, candura, e charme. Que consigam ultrapassar a adversidade, a censura, a pobreza e o niilismo, que muitos de entre vós serão obrigados a enfrentar. Que sejam abençoados com o talento e rigor para nos ensinar sobre o batimento do coração humano, em toda a sua complexidade, e com a humildade e curiosidade que faça disto o trabalho da vossa vida.
E que o melhor de vós próprios – porque só poderá ser o melhor de vós próprios, e mesmo assim apenas em raros e breves momentos –  consiga definir a mais fundamental questão ‘como vivemos nós’ ?
Desejo sinceramente que o consigam."

Agora, vamos ao Teatro!

quinta-feira, março 15, 2012

Como regressando de uma viagem de regresso, ou como um dia eu queria escrever sobre uma viagem de regresso de onde não pensasse voltar


A lânguida serenidade do rio. Como um avô que nos olha, que nos anima, que está lá.

Avô, tenho saudades dos dias que nunca me deste, e não morreste e eu sinto tanto a tua falta. E sinto falta dos dias que me deste, desse caminho que percorro de comboio, nesta paisagem, neste caminho que demora, neste sentir que chego a casa, mesmo quando recuso a casa, mesmo quando não me sinto bem quando estou - a verdade é que quando começo a chegar tudo me faz sentido no caminho, como se aprendesse tudo o que não aprendi neste tempo, como se desaprendesse a distância em que vivo, o tempo que não tenho, o voltar que não me inspira nada quando penso que tenho que voltar. Avô, eu sou isto. Mesmo sem nunca te ter tido, és tu que me ensinas a voltar a casa.

O rio. Este mar dos pequenos de que fugi, mas que me percorre lágrima a lágrima. Quando choro chamo-me Tejo. Sem foz, por isso o rio em mim é cascata. Um Tejo pequenino, feito só de memória, gota-a-gota. E quando rio, quando eu me rio, chamo-me o nome de quem me chama - Tu aí, com licença, boa tarde, amor – há quanto tempo não Amor. O rio passa-me em maré cheia, no sentido norte, o meu olhar perdido num tempo que passou. Ruína a ruína, o rumor antigo das fábricas, a sirene que já não toca, fábrica a fábrica, abandonadas de trabalhadores, de suor, de exploração sentida mas pronta a rejeitar, a Vila abandonada de economia, eu recordo-me de passar aqui e de ver entrar os trabalhadores. No meu tempo, há trinta anos, eram felizes, era o tempo que ainda cheirava a auto-gestão, era o tempo do salário constante, do décimo terceiro mês, do décimo quarto mês, da certeza da reforma, do trabalhar para nós e para todos, era o tempo em que a sirene tocava e eles eram felizes, quantas vezes ali aprendi a felicidade, quantas vezes ao passar ali eu senti que a felicidade era ouvir aquela sirene, era cumprir os nossos filhos quando os nossos filhos passavam ali, a felicidade era chegar à construção, ao edifício, senti-lo orgânico sem o saber vivo, sentir que o tempo que se passava ali era um tempo de futuro.
O presente deste caminho é feito de ruínas. A felicidade ficou nas ruínas.

Avô, porque nunca me contaste histórias? Eu nasci, tenho cinco anos, tenho dez anos, tenho desasseis anos, tenho trinta anos e tu nunca me contaste histórias. Partiste e outros me foram contado histórias, dispersas, como avôs a termo certo. Histórias tuas, também, de heroísmo ou de cobardia conforme concordavam ou não com as tuas opções, conforme olhavam para as tuas acções, como se interpreta uma fotografia – tu com barba e de bóina, revolucionário, acho eu que por circunstância. Porque nunca me falaste disso? Agora corro atrás de ti, sigo a linha do comboio, sigo o rio. O rio sujo que colocavas nas mãos em concha, enganando-me, dizendo que era limpo e que me fazia recordar a memória contada por outros dos tempos que nunca me contaste em que nadavas para a outra margem no turbilhão dos golfinhos. Corro atrás de ti, seguindo o leito do rio, o ritmo do comboio, o fluir das palavras.
Estas palavras, avô. Corro contra o tempo, porque quero contar-te a minha história.

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

A Luta Continua!

Republico um texto que escrevi há 5 anos. Hoje cumprem-se 25 anos da morte do Zeca e 30 anos de vida do Amândio. A Luta Continua!

"Faz hoje, dia 23 de Fevereiro de 2007, 20 anos da morte do homem que, sem dúvida, representa uma das maiores expressões de um artista que junta a sua voz à voz do povo, que defende e que agita esse povo, que lhe dá esperança e força para lutar. Para mim, quando, em qualquer circunstância, a voz do povo se levanta para lutar pela Liberdade, por qualquer progresso histórico da sua existência, a voz que oiço na minha cabeça é a voz do Zeca Afonso.

Deixem-me partilhar com vocês uma história, uma das memórias mais vivas da minha infância. Há vinte anos atrás, levantei-me de manhã como era normal, para ir para a escola. Lembro-me de ver a minha mãe a chorar, um choro estranho - acho que nunca lhe tinha visto aquele choro. Perguntei-lhe o que era e ela disse-me que tinha morrido um amigo dela, que tinha sido um senhor muito importante, algo que fui percebendo ao longo do dia. Segui o dia com uma atenção infantil: ir para a escola, voltar da escola, saber que os meus pais não iam estar em casa quando eu voltasse porque iam ao funeral do Zeca, esperar que eles voltassem, ouvir os comentários que faziam entre si sobre o funeral. A imagem que tenho do funeral do Zeca vem desse dia, todas as primeiras imagens que tenho do Zeca vêm desse dia, das biografias que se sucediam na televisão, as primeiras músicas que aprendi fora do repertório do Prof. Barata Moura foram do Zeca, algumas (arrisco dizer) decoradas nesse dia de há vinte anos.
Desculpem o sentimentalismo, mas o dia 23 de Fevereiro de 1987 foi o primeiro dia triste da minha vida consciente. Guardei essa tristeza a vida toda, mesmo quando a maioria dos dias foram e são felizes. Desde pequeno que fico com vontade de chorar quando canto o Grândola - foi um hábito que guardei da imagem de um Zeca de cravo vermelho na mão, rodeado de gente, lembrando que "o povo é quem mais ordena", imagem que me marcou muito antes de compreender a significância do verso, do Zeca, da gente que o rodeava, do cravo vermelho num punho erguido.
Até confesso uma coisa: a capacidade de chorar ao ouvir a música do Zeca foi usada até para fins menos honestos, digamos assim - quando era preciso provocar o choro, uma lágrima de arrependimento, qualquer coisa assim, traulitava mentalmente o Grândola e lá conseguia a atenuação da pena que me ia ser aplicada! Bem, mas na maior parte das vezes, emocionei-me em momentos mais nobres, quase todos de luta.

Bem, a descrição que fiz não é alegre. Mas esta evocação não pretende ser triste - a vitalidade eterna da música do Zeca Afonso só pode encher de alegria as nossas casas e as nossas ruas! Morreu o homem, a obra sem dúvida que ficou e se expande, nas obras de outros, na vida e nas lutas de todos nós.

Hoje é também um dia importante por uma motivo mais alegre - o Amândio faz anos, uns 25! Um grande abraço de parabéns para ele, "amigo maior que o pensamento"!"

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

Vacuidades

Pois que a vida não cabe num post e graças ao senhor que não. De que vale partilhar, neste espaço, as nossas opiniões, emoções, planos e expectativas, se nem somos considerados na décima divisão do Combate de Blogs?
Eu respondo, ainda; proponho, pois; ambiciono, portanto - este é o espaço da sistematização, da disciplina, da organização do pensamento posto em palavras - do que espero fazer bem... um dia.

Tudo mais, não são vacuidades. Porque não são só minhas.

Quantos dias depois do último post? Sei mais que quero de matemáticas e, em homenagem a isso, respondo por passadas. Um espectáculo a estrear no grupo comunitário da Arrentela, uma viagem a S. Tomé, um beijo no corredor de casa, o reconhecimento de que o amor é o beijo a seguir ao abraço e tudo o mais abaixo será quanto muito o abraço a seguir ao beijo, agarrar Os Generosos e ter a audácia (vácua?) de dar um passo que não sei se sei, dormir pouco porque não quero, acordar mal porque não consigo acordar bem, esperar que o meu tio Tonica recupere rápido e bem, sonhar sair e cimentar o ficar, catapultar o voar e ansiar a geofagia, caminhar com mais de 300 mil pessoas contra o roubo que me (nos) fazem todos os dias, pensar que há-que esticar a corda para ver melhor o que aí vem e em como é que vamos fazer para esticar a corda, sobreviver (porquê ainda?) ao inverno de Lisboa.

O mundo muda e eu tenho tudo a ver com isso. Só não o partilho, ainda. Com medo de vacuidades, com falta de tempo, com sono. E com inveja, mas não ainda do Combate de Blogs...

Sobre tudo isso, darei de mim aqui. Aos poucos, quando me apetecer ou puder.

sábado, janeiro 14, 2012

Ascensão e Queda da Cidade de São Cifrão

Ascensão e Queda da Cidade de São Cifrão, que fui ontem ver ao Teatro Extremo em Almada, é sobre o pior do ser humano.

Ergue-se uma cidade liberal, uma cidade do paga-leva, de whisky, mesa, boxe e cama, uma cidade sem preocupações, uma cidade sem regras, sem leis, de se fazer o que se apetece. É a base do segredo desvendado da felicidade humana! Desde que se tenha dinheiro para pagar...

Em São Cifrão esse é mesmo o pior crime - não ter dinheiro. Crime maior que seduzir, cantar canções alegres ou apostar num amigo que morreria nessa sequência. Crime de morte.

Não conhecendo o original de Brecht, a adaptação do Jorge Feliciano e do Teatro Fórum de Moura é a alegoria da nossa sociedade de consumo rápido, de crédito rápido, de gasto rápido, no sabor férrico do velho oeste de gatilhos rápidos. O enlevo do dinheiro, que nos rodeia, que nos seduz, que nos leva a utilizá-lo sem limites e que depois nos amarra, nos espezinha, nos despreza.
Ascensão e Queda da Cidade de São Cifrão é sobre o pior de nós. É sobre a venda da amizade, a venda da solidariedade, é sobre a venda do amor, a venda do carácter... É sobre hoje, em Portugal e no mundo.

Por isso vale a pena ir ver esta produção. E pela encenação com pormenores deliciosos, pela cenografia do Pedro Penilo, pela qualidade dos actores, dos quais destaco o Luís Mouzinho, e porque ver Brecht "à Brecht" é um prazer raro, nos dias que correm.

Um apontamento para um apontamento: "O Teatro não é só Entretenimento". Não é. Mas não é assim que os nossos governantes encaram o Teatro, a cultura... Ou eles não o encaram de todo - por muitos livros que escreva o secretário de estado e muitas árias que cante o primeiro-ministro no coro. O Teatro Fórum de Moura, que eleva a história e o bom nome da descentralização do teatro, vai sofrer este ano com o desinvestimento na cultura. A maioria dos grupos de teatro, amadores e profissionais, vai sofrer com essa política. Facto que, enquanto agentes teatrais, tem que merecer a nossa solidariedade, amizade e unidade. Para estes governantes, nacionais e globais, Moura, Vila Franca, Almada, ou Tondela, não merecem teatro. Teatro só em Lisboa e no Porto - e esse, só pago.
Como em São Cifrão, curioso...

quinta-feira, janeiro 12, 2012

Comadres zangadas...

Não que se tenha descoberto qualquer verdade relevante, mas a parafernália de notícias acerca das birras da Novo Rumo e do PSD em Vila Franca já enjoa.

A azia não é minha, verdade seja dita, mas deles - dos vereadores da Novo Rumo. N'O Mirante on-line pode ler-se uma notícia (ou uma não-notícia), em que, redundando no tema que levou ao fim do namoro entre PS e PSD na Câmara Municipal, o vereador Rui Rei chama velho ao vereador Alberto Mesquita e este manda o primeiro tomar comprimidos. É digno, sim senhor! Mas de uma cena à Gato Fedorento, do género:
- Ah, o sr. doutor é que é.
- Não não, o sr. doutor é muito mais.
- Ah, assim não vale, que eu disse primeiro.
- Isso não é bem verdade, que eu já tinha dado indicações claras de que iria dizer isso.

Enfim... Mais que a dignidade do momento, que fica com quem o promover, importa reflectir naquilo que me parece ser a táctica do PSD, nas últimas semanas, totalmente dentro do conceito "não importa se falam bem ou mal, importa é que falem de nós". Se, até à retirada de pelouros, a Novo Rumo tinha a maior percentagem de capas d'O Mirante por metro quadrado (bastava ir a uma reunião de CM para aparecer!), granjeando um espaço de auto-promoção não desprezável, após a retirada de pelouros a vontade e, pasme-se, a capacidade de aparecer mantém-se, mesmo à custa de não-notícias como esta.

A Novo Rumo, o PSD e o vereador Rui Rei sabem o que querem, e isso não é mau. Mau é se os leitores d'O Mirante e as populações do concelho de Vila Franca não desmistificarem a sua táctica. Ou se acharem esta atitude interessante. Aí, talvez os vereadores da CDU devessem fazer uma reciclagem em ofensas pessoais e abandonar a crítica política - isso seria pior...


domingo, janeiro 08, 2012

Preparados para sair...

O inefável ministro Miguel Relvas, esse senhor que eu gostava de ver algures entre o Peso Pesado e a Anatomia de Grey, reforçou publicamente o seu gosto por ver os jovens portugueses a "darem novos mundos ao mundo".

Parece que ao conversar com jovens portugueses em Maputo, Moçambique, o ministro, qual Infante D. Henrique, entende que, graças à lusa adaptabilidade, é nossa vocação criar diáspora, sair, descobrir mercados fora dos mercados em que ele, e os seus congovernantes actuais e anteriores, nos enterraram. Diz a sumidade: “Esta é uma emigração muito bem preparada. Nós investimos significativamente nos últimos 20 anos numa geração e hoje não lhes damos aquilo de que eles precisam, que é o emprego”. Não digo, e já o afirmei em posts anteriores, que tenho alguma coisa contra a emigração - a sua concretização por afirmação pessoal do emigrante ou por necessidade, é respeitável e enriquecedora. Mas este incentivo, considerando inclusivamente o investimento que todos nós fizemos nestes jovens, é obsceno.

O governo da nação demite-se de promover o desenvolvimento da coisa. Desperdiça o investimento que realizou, que realizámos, para que estes jovens pudessem ter uma formação que garantisse a Portugal uma sociedade mais capacitada académica, técnica e culturalmente. Manda esse investimento embora, em vez de procurar aproveitá-lo. É triste... Mais triste é ver um governante todo com ar de programa televisivo de por pessoas a não-pensar todo contente por falar com portugueses em Moçambique. Talvez devesse falar mais com os portugueses que queriam construir os seus percursos, as suas vidas, na sua cidade, no seu país, e a quem faltam diariamente as oportunidades. Talvez aí, talvez, deixasse a verborreia de vender paliativos para começar a tratar, de vez, da criação de alternativas aqui, neste lugar em que, feliz ou infelizmente, nascemos e nos construímos.