segunda-feira, outubro 23, 2006

Ilegalização da Juventude Comunista na República Checa

Foi ilegalizado no dia 16 de Outubro a União da Juventude Comunista Checa, o KSM, por decisão do ministério do interior daquele país.

Segundo nota de imprensa enviada pela JCP, a 18 de Outubro, "(...) a única razão que o Governo apresentou para esta medida referia-se à defesa da KSM, no seu programa, da substituição da propriedade privada dos meios de produção pela propriedade colectiva dos meios de produção. E, portanto, a convicção deste jovens em construir uma sociedade diferente, não assente nos princípios do sistema capitalista".

Refira-se que vem sendo hábito, principalmente na europa de leste, ameaçar com medidas que pretendem criminalizar o socialismo e o comunismo, alterando nesse sentido a verdade histórica segundo as conveniências dos senhores do capital e dos seus assessores governamentais. Este foi o primeiro exemplo, desde a queda da União Soviética, em que se cumpre os seus desejos de calar a voz dos comunistas, voz essa que naqueles países (como no resto da europa e do mundo) recupera a sua capacidade de atracção junto dos seus povos.

Este facto ocorreu na República Checa, país que pertence à União Europeia, arauto mundial da democracia. Ocorre no seu seio, sem comentar outras ocorrências de ordem vária igualmente atentórias ao ideal democrático, a censura à liberdade de pensamento e de acção, de reunião em torno de um grupo político, com um ideal e uma conduta identificados, uma ilegalização absurda realizada para exterminar o marxismo-leninismo e qualquer ideia que se oponha ao dogma do mercado capitalista e da forma de democracia ocidental.

Não conseguirão! A resistência a esta monstruosidade já se faz sentir por toda a República Checa, bem como em muitos outros países. Por outro lado, muitos outros partidos e organizações comunistas sentem que ao se abrir este precedente se criam condições para um aumento da ofensiva anti-comunista. E neste aspecto, por muita verborreia democrática que espirrem, os líderes políticos da europa estão unidos - veja-se a mobilização para a comemoração dos 50 anos da "revolução" anti-soviética da Hungria, onde participam a maioria dos dirigentes europeus, à volta da qual se aproveita para mediaticamente ofender os factos históricos e colar ao ideal comunista tudo o que, verdade ou mentira, dizem.

Esta é uma outra fase de resistência. Não é nova, porque com estas metodologias começaram os regimes fascistas da metade do século XX a tratar qualquer oposição aos seus intentos. E é sabido o que aconteceu!
Parece-me que, de forma mais ou menos clara, a conduta do governo checo vai ser imitada - compete aos comunistas, de qualquer forma, lutar e resistir.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Encruzilhada na Palestina


É reconhecido que uma das principais razões para o clima de insegurança que o mundo atravessa está na ocupação da Palestina por parte de Israel e na luta do seu povo contra o ocupante. Estes problemas, que marcaram a metade do último século, ainda não foram resolvidos. Neste artigo, propõe-se olhar para a história da Palestina e denunciar os ataques sofridos, falando da luta milenar do seu povo.

É passada a ideia de que o problema actual está na subida ao poder de um partido classificado por Israel e pelos países ocidentais como terrorista, o Hamas. No entanto, este partido foi eleito democraticamente pelo povo palestiniano, no exercício da sua soberania, e num escrutínio considerado “limpo” pelos observadores internacionais. Mas a partir do momento da eleição do Hamas, Israel decreta um bloqueio total à Palestina. Se tivermos em conta que a maior parte das mercadorias dirigidas à Palestina passam por Israel, compreende-se a dimensão da agressão, limitando os palestinianos aos mais básicos meios de subsistência. Por outro lado, a par das constantes invasões militares, Israel inaugurou uma nova fase de acção, raptando deputados e membros do governo palestinianos.

Não nos cabe neste espaço atacar ou defender o Hamas e as suas opções. Trata-se sim, de defender e respeitar o direito de um povo escolher, face ao seu próprio quadro legal, os seus líderes. A conduta de Israel e dos países que o apoiam, não é justa e não é legal – mas é exactamente isto a que, ao longo dos anos, o estado judaico habituou os palestinianos e a humanidade solidária com a Palestina, muito antes do Hamas ter protagonismo governamental!

Em luta com Israel

De facto, devido à sua situação geográfica (constitui um corredor entre a Ásia e África, e está perto da Europa), a Palestina raramente foi independente, na sua história,. O governo dos destinos do seu território e do seu povo esteve ligado desde sempre à sucessão de impérios que ocuparam aquela região. No entanto, e mesmo tendo passado por alterações de credo religioso e culturais significativas ao longo da sua história, a ocupação nunca significou a diluição das tradições e da unidade cultural das populações palestinas. Pelo contrário, estas sempre funcionaram como um factor de resistência e unidade.

Na Palestina antiga, coexistiam diversos reinos, filisteus e hebraicos, que alternavam momentos de guerra entre si com alianças em torno de questões específicas – um desses reinos chamava-se Israel. Desde a sua anexação ao império Assírio, em 722 a.C., até 1948, aquando da criação do estado de Israel, nunca mais houve um território com esse nome, e as referências existentes permaneceram dentro do contexto bíblico. O povo judeu dispersou-se pelo mundo ao longo dos séculos, divergindo inclusivamente na forma como continuavam a realizar os seus ritos.

A ideia messiânica do regresso à “Terra de Israel” é uma das bases do judaísmo. Ela significaria, para o povo judeu, martirizado ao longo da história, a libertação plena do jugo a que foram sujeitos.

Esta ideia, em meados do século XIX, tomou a forma de uma teoria nacionalista, o sionismo, que defendia a criação de um estado nacional judeu.

Com o intuito de criar esse estado, “um lar nacional para o povo judaico”, o governo inglês através da chamada Declaração Balfour, deu o apoio à sua criação na Palestina, então parte do império otomano que o império inglês cobiçava.

A tomada da Palestina pelo Reino Unido dá-se no final da I Guerra Mundial, com a divisão da região entre franceses e ingleses. Nas decisões tomadas pela Liga das Nações (precedente da actual Organização das Nações Unidas), a regência das potências vencedoras da Guerra tinha por objectivo criar condições para a sua total independência, que para todos os países envolvidos acabou por surgir, excepto para a Palestina, face à promessa que o estado inglês tinha feito à Federação Sionista.

Vendo os seus desejos de independência saírem gorados, começa, nesta fase, uma dupla resistência desencadeada pelo povo palestiniano: contra o ocupante e traidor império inglês; e contra certas comunidades judaicas, que cada vez mais se apropriavam das terras e dos recursos da Palestina.

Esta resistência teria o seu apogeu no período de 1936-1939, levando os ingleses e a Liga das Nações a ponderar e a propor a criação de dois estados vizinhos no território histórico da Palestina (um para os palestinianos e outro para os judeus), e por fim a voltar atrás, inclusivamente proibindo a continuação da imigração judaica, criando-se um estado em que os dois povos estariam representados proporcionalmente.

Os sionistas tentaram reverter esta situação: promovendo a imigração clandestina; criando grupos armados que atacavam palestinianos e ingleses; e buscando o apoio dos EUA, que se tornaria o aliado incondicional do estado de Israel.

Entretanto, a II Guerra Mundial actuou em duas vertentes: inicialmente, aumentaram a quantidade de judeus centro e leste-europeus que se dispuseram a emigrar ilegalmente para a Palestina; e a seguir à guerra, criaram a ideia, a nível global, que face aos terríveis sofrimentos que o nazi-fascismo infligiu aos judeus, estes tinham direito ao seu próprio estado, à sua própria defesa.

Assim, a 14 de Maio de 1948, véspera da retirada dos ingleses da Palestina, é proclamado o estado de Israel. Começava então uma guerra que oporia os israelitas aos estados árabes vizinhos, que contribuiu para a expansão do estado de Israel e para a deslocação de largos milhares de palestinianos.

Em 1967, na chamada “Guerra dos 6 dias” que opôs novamente Israel aos estados árabes, o estado judaico apropriou-se mais uma vez de largas parcelas da Palestina, situação que criou mais uma vez milhares de refugiados, alguns deles pela segunda vez.

A resistência organiza-se! – pedras contra tanques

A partir de 1964, os palestinianos organizam-se em torno de uma plataforma político-militar, a Organização de Libertação da Palestina (OLP). Dava-se assim representatividade à luta do povo e obrigava-se os israelitas reconhecer que tinha um inimigo – ou um interlocutor. Em 1974 é reconhecido à OLP o estatuto de observador na ONU, tendo Yasser Arafat discursado na Assembleia-Geral das Nações Unidas. Na sequência destes acontecimentos, em 1973, no 13.º Conselho Nacional Palestiniano (CNP) são aceites os termos da existência de dois estado vizinhos, dividindo-se a Palestina original. O estado da Palestina é unilateralmente proclamado no 19.º CNP, em 1988, e a OLP condena todos os tipos de acções terroristas.

Entretanto, em Dezembro de 1987, começou a Intifada – a insurreição contra a ocupação.

A 9 de Setembro de 1993, Yasser Arafat e Isaac Rabin, primeiro-ministro de Israel na altura, assinaram, em Oslo, uma “Declaração de Princípios sobre as Disposições Interinas de Auto-Governo”, ficando estabelecido a retirada da Cisjordânia e da Faixa de Gaza num prazo de 5 anos. Esta fase dos “Acordos de Oslo” foi cumprida, no entanto a política israelita adulterou estes princípios, quer por constantes violações militares, quer pela criação intensificada de colonatos judeus, que asfixiavam territorialmente as terras palestinianas.

No ano de 2000 começa a segunda Intifada.

Em Janeiro de 2001 houve novas negociações, em Camp David, mas não se chegou a nenhum a acordo. Desde aí, os conflitos aumentaram, em número e em violência, subvertendo quer as negociações entre os dois estados beligerantes, quer as orientações internacionais, nomeadamente da ONU, para a pacificação daquela região. Uma das medidas recentes mais polémicas foi o início da construção de um muro ao longo da fronteira, para impedir a passagem de palestinianos para o lado israelita, medida que significaria o isolamento do povo da Palestina, a destruição das suas casas e campos, e a impossibilidade de independência.

Entretanto, o estado palestiniano continua sem existir.

A continuação da luta

É preciso, efectivamente, continuar a falar da Palestina, e defender o seu direito à existência livre e plena, algo que, como se viu, lhe foi continuamente negado.

Da ideia que os novos dirigentes israelitas passam em relação às suas relações com a Palestina, não se espera nada de novo, nem nada de bom. A recente guerra no Líbano corrobora esta afirmação.

Às novas e às antigas agressões o povo palestiniano irá responder. Como sempre fez aos invasores, ao longo da sua história. Enquanto Israel não aceder às reivindicações populares dos palestinianos, a luta continuará – na consciência dos israelitas fica o sangue dos que morrem há mais de 50 anos e dos que sofrerão no futuro pela independência plena do seu país. Mas no final, a Palestina vencerá!

(Este artigo foi publicado na Revista "A Paz é Notícia!", da associação Almada Pela Paz.)

terça-feira, junho 27, 2006

Timor-Leste a saque!

Face às questões que, nos últimos tempos, têm ocorrido em Timor-Leste, publica-se aqui um artigo de John Pilger.
Antes, gostaria de colocar aqui também algumas meditações que tenho tido nos últimos dias.
De facto, foi com revolta que encarei os acontecimentos recentes em Timor-Leste, onde, para mim, sempre foi claro que se estava perante uma cabala que, primeiro: pretendia afastar o primeiro-ministro Mari Alkatiri; segundo: pretendia provocar eleições antecipadas e aproveitar o efeito negativo na opinião pública para retirar o partido FRETILIN do poder (algo que em circunstâncias normais, nos próximos anos, não conseguiria ser feito de forma democrática).
Nesta cabala participaram de forma inequívoca três unidades fundamentais, timorenses: Xanana Gusmão, Presidente da República (aqui na fotografia ao lado da antiga Secretária de Estado dos Assuntos Externos estado-unidense); Ramos-Horta, minstro dos Negócios Estrangeiros e prémio Nobel da Paz; e Bispos e clérigos católicos, religião maioritária em Timor-Leste.
Em comum, estas três unidades têm um sentido: serem anti-FRETILIN e acreditarem num modelo económico que não era o do governo, mas que vai mais de encontro aos interesses do governo australiano (de alguma forma, seja por casamento ou por necessidade, há sempre alguma coisa que os liga à potência regional). Nesta luta, tudo serviu: instigar à revolta militar; propaganda vilpendiosa; argumentação religiosa de ordem vária, roçando a estupidez mentirosa (veja-se, por exemplo, as acusações de que por o governo estar a mandar estudantes para Cuba, significaria que o muçulmano e comunista Alkatiri estaria a preparar forças para instalar em Timor o comunismo e matar os padres e religiosos). Pronto, entidades tão respeitadas no mundo (até certo ponto, justamente), acabam por ter comportamentos que fariam inveja a Suharto ou a Salazar, os dois ditadores que colonizaram Timor e contra os quais gerações inteiras lutaram.
Aqui fica, então, o artigo anunciado.

Timor Leste: o golpe que mundo não percebeu

por John Pilger

No meu filme de 1994, A morte de uma nação (Death of a Nation) há uma cena a bordo de um avião a voar entre o norte da Austrália e a ilha de Timor. Decorre uma festa; dois homens engravatados estão a brindar-se com champanhe. "Isto é um momento histórico único", exulta Gareth Evans, ministro das Relações Exteriores da Austrália, "um momento histórico verdadeiramente único". Ele e o seu homólogo indonésio, Ali Alatas, estavam a celebrar a assinatura do Tratado do Estreito de Timor (Timor Gap Treaty), o qual permitiria à Austrália explorar as reservas de gás e petróleo no fundo do mar de Timor Leste. O prémio supremo, como disse Evans, eram "zilhões" de dólares.


O conluio da Austrália, escreveu o Professor Roger Clark, uma autoridade mundial em direito do mar, "é como adquirir material a um ladrão ... o facto é que eles não têm direito histórico, nem legal, nem moral sobre Timor Leste e os seus recursos". Debaixo deles jazia uma pequena nação então a sofrer uma das mais brutais ocupações do século XX. A fome imposta e o assassínio extinguiram um quarto da população: 180 mil pessoas. Proporcionalmente, isto foi uma carnificina maior do que aquela no Cambodja sob Pol Pot. A Comissão da Verdade das Nações Unidas, que examinou mais de 1000 documentos oficiais, relatou em Janeiro que governos ocidentais partilharam responsabilidades pelo genocídio; pela sua parte, a Austrália treinou a Gestapo da Indonésia, conhecida como Kopassus, e seus políticos e jornalistas principais divertiram-se junto com o ditador Suharto, descrito pela CIA como um assassino em massa.

Actualmente a Austrália gosta de apresentar-se como um vizinho prestativo e generoso de Timor Leste, depois de a opinião pública ter forçado o governo de John Howard a enviar uma força de manutenção da paz da ONU seis anos atrás. Timor Leste é agora um estado independente, graças à coragem do seu povo e à tenaz resistência dirigida pelo movimento de libertação Fretilin, que em 2001 ganhou o poder político nas primeiras eleições democráticas. Nas eleições regionais do ano passado, 80 por cento dos votos foram para a Fretilin, dirigida pelo primeiro-ministro Mari Alkatiri, um "nacionalista económico" convicto, que se opõe à privatização e à interferência do Banco Mundial. Um muçulmano secular no país sobretudo Católico Romano, ele é, acima de tudo, um anti-imperialista que enfrenta as exigências ameaçadoras do governo Howard por uma partilha injusta das benesses do petróleo e do gás do Estreito de Timor.

Em 28 de Abril último uma secção do exército timorense amotinou-se, ostensivamente acerca de pagamentos. Uma testemunha ocular, a repórter de rádio australiana Maryann Keady, revelou que oficiais americanos e australianos estavam envolvidos. Em 7 de Maio Alkatiri descreveu os tumultos como uma tentativa de golpe e disse que "estrangeiros e gente de fora" estavam a tentar dividir o país. Um documento escapado da Australian Defence Force revelou que o "primeiro objectivo" da Austrália em Timor Leste é "ganhar acesso" para os militares australianos de modo a que possam exercer "influência sobre os decisores de Timor Leste". Um "neo-con" bushista não teria dito melhor.

A oportunidade para "influenciar" surgiu em 31 de Maio, quando o governo Howard aceitou um "convite" do presidente de Timor Leste, Xanana Gusmão, e do ministro das Relações Exteriores, José Ramos Horta – que se opõem ao nacionalismo de Alkatiri – para enviar tropas para Dili, a capital. Isto foi acompanhado por reportagens tipo "nossos rapazes vão salvar" na imprensa australiana, juntamente com uma campanha de difamação contra Alkatiri como um "ditador corrupto". Paul Kelly, antigo editor-chefe do Australian de Rupert Murdoch, escreveu: "Isto é uma intervenção altamente política ... a Austrália está a operar como uma potência regional ou um hegemonista político que modela a segurança e o porvir político". Tradução: a Austrália, tal como o seu mentor em Washington, tem um direito divino a mudar o governo de um outro país. Don Watson, redactor dos discursos dos antigo primeiro-ministro Paul Keating, o mais notório apologista de Suharto, incrivelmente escreveu: "A vida sob uma ocupação assassina pode ser melhor do que a vida num estado fracassado..."

Ao chegar com uma força de 2000 homens, um brigadeiro australiano voou de helicóptero directamente para o quartel general do líder rebelde, major Alfredo Reinado — não para prendê-lo pela tentativa de derrubar um primeiro-ministro democraticamente eleito, mas para cumprimentá-lo calorosamente. Tal como outros rebeldes, Reinado foi treinado em Canberra.

Dizem que John Howard ficou agradado com o título de "vice-xerife" do Pacífico Sul, atribuído por George W. Bush. Recentemente ele enviou tropas para reprimir uma rebelião nas Ilhas Salomão, e oportunidades imperiais acenam em Papua Nova Guiné, Vanuatu e outras pequenas nações insulares. O xerife aprovará."
22/Junho/2006

quarta-feira, maio 31, 2006

"A coisa aqui está preta!"

"(...) Aqui na terra 'tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n' roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta (...)"
Meu Caro Amigo, de Chico Buarque

A euforia emana dos estádios! Ondas de esperança percorrem os lusos corações, tão pouco habituados a acreditar em sucessos nacionais, tão habituados às caudas de rankings internacionais, tão acostumanos a apertar cintos que os cintos estão cheios de buracos.
E enfim aproxima-se o Mundial - a explosão patriótica, as bandeiras nas janelas, manifestações e romarias aos locais de passagem dos jogadores, a crença extasiada na vitória, tão perto de nós... E no entanto tão longe de tudo...
A emoção e a ilusão nacionais alteram indelevelmente o dia-a-dia das mais diferentes instituições: cadeias de supermercados que criam promoções, prometendo reembolso total em caso de vitória; instituições de Estado, a Assembleia da República, que altera a sua agenda para permitir aos deputados assistirem ao encontro entre Portugal e o México... Tantos e tantos exemplos de excitação nacional, de verdadeiro negócio patriótico. Na adorada Aldeia Global, rua da Europa, ouve-se novamente Portugal, a casa a defender! Apetece dizer: Nada contra a Selecção, tudo pela Selecção!

Pretende-se fazer esquecer que há vida além da Selecção, há problemas além dos do Futebol! Desemprego, recessão económica, desgovernações do governo, um futuro sem esperanças, ausência de perspectivas para uma grande fatia da população. Qualquer que seja o resultado da viagem até à Alemanha (que, aliás, espero que seja o melhor), nada vai mudar em Portugal, porque o governo é o mesmo, a maioria parlamentar é a mesma, o presidente da república é o mesmo, e nada disso vai mudar, assim como a forma como as dimensões das pobrezas portuguesas (económica e cultural) são e serão por todos eles encaradas.
"Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta", diria o Chico Buarque, e digo eu a quem queira ouvir!

sexta-feira, maio 05, 2006

O "democrático" anticomunismo

República Checa
Dirigente comunista espancado na rua

Jiri Dolejs, vice-presidente do Partido Comunista da Boémia-Morávia (PCBM) e deputado da nação, foi brutalmente espancando por vários indivíduos que o interpelaram na rua chamando-lhe «comunista repulsivo».
A agressão teve lugar no passado dia 25, pouco depois de Dolejs sair do edifício do parlamento em direcção à estação de metro.
O dirigente comunista encontra-se sob cuidados médicos, apresentando ferimentos graves no rosto, que lhe afectam em particular o olho esquerdo.
O acto de violência foi claramente condenado pelo presidente do Partido, Vojtech Filip, pelo primeiro-ministro da República Checa, Jiri Paroubek e pelo presidente do Parlamento, Lubomir Zaoralek. Numa declaração oficial, os deputados afirmam condenar «as práticas fascistas que se manifestam na vida da República Checa».
Contudo, uma nota do PCBM constata que o presente ataque é indissociável da vasta e violenta campanha anticomunista em curso no país. E recorda que, recentemente, foi feita uma tentativa no senado e parlamento no sentido de proibir o uso da palavra «comunista»; a Juventude Comunista Checa (KSM) foi alvo de uma operação conduzida pelo Ministério do Interior que visava a sua ilegalização; a propaganda anticomunista é veiculada através do sistema público de educação pela denominada «organização humanitária» «People in Need».
Os comunistas checos sublinham que «a violência é encorajada pelo próprio Estado», dando ainda como exemplo uma campanha anticomunista patrocinada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros que produziu camisolas com a inscrição «Mata um comunista para fortalecer a paz».

in Avante!, 4 de Maio


Este não é, infelizmente, caso único da deontologia democrática que vários estados europeus (inclusivamente, da "democrática" UE) têm apresentado, no sentido de condenar a ideologia comunista e o marxismo-leninismo enquanto concepção ideológica e organizativa.
Analisando a História, encontramos paralelo deste com outros casos que desembocaram em episódios dramáticos, senão nos mais dramáticos episódios que a Humanidade tem vivido.
Não se pode ser anticomunista e ser democrata. Pelo contrário - a História também revela que o anticomunismo se liga directamente às mais reaccionárias das concepções politicas, para onde serão arrastados ou por quem serão arrastados todos aqueles que começaram "somente" por ser anticomunistas.
Fica a reflexão.

quinta-feira, março 30, 2006

We'll always have Paris...

Os acontecimentos recentemente ocorridos em França têm tido algum protagonismo na comunicação social. Transparecem, nas notícias "dadas", as contradições de ambos os lados. Quer dizer, afinal não: sim, porque estudantes e sindicatos são os indivíduos que provocam distúrbios, só e apenas, sendo que o verdadeiro digladiar de ideias e as maiores implicações para o futuro dos franceses estão nas ambições pessoais dos governantes, a saber, as ambições do primeiro-ministro e do ministro do interior em serem, não ao mesmo tempo mas de preferência a partir das próximas eleições, o Presidente da República.
Enquanto isto, e voltando ao essencial, o problema gravíssimo colocado aos jovens franceses dissolve-se mediaticamente nos distúrbios - penso que marginais à grande mobilização e solidariedade vividas nas diversas acções, quem sabe encomendados à medida do gosto dos interesses do governo (já não era a primeira vez!). "E, no entanto, ela move-se!", sim, a Luta contra uma lei injusta que permitirá o despedimento sem justificações de qualquer jovem com menos de 26 anos! Continua nas acções de rua, nas manifestações altamente participadas e politicamente combativas, continua até no Parlamento francês, e continuará, já para a semana em mais uma acção de massas marcada por sindicatos e associações de estudantes, continuará até esta Lei desaparecer das intenções do governo.

Não pude deixar de notar, numa das notícias que vi, na presença do Eurodeputado do Bloco de Esquerda, Miguel Portas. Solidário com a luta, obviamente! E muito bem... Lesa ingenuidade a minha: desconfio, não pondo em causa as boas intenções, que Miguel Portas sonhe com acções deste género em Portugal, estudantes e trabalhadores na mesma luta, trabalhadores da Autoeuropa contra o Tratado de Bolonha, estudantes do Ensino Secundário contra o Pacote Laboral, os portugueses em massa a começarem a protestar, antes que lhe toque, contra a lei francesa... Pois, mas cá temos os nossos problemas, as nossas lutas, a nossa agenda. Solidários sim, não presos a problemas que não são directamente nossos.
Miguel Portas poderá continuar a enfatizar Foruns Mundiais e Quartier Latin's ao fim da tarde. E, quando voltar a Portugal, poderá dizer dramático para os companheiros as palavras acomodadas do Bogart em Casablanca: "We'll always have Paris!"... Lembranças de 68, esperanças de 2006, aquele passeio no Jardin du Luxemburg.