sexta-feira, dezembro 30, 2011

De centenário em centenário

Já tinha pensado escrever, nestas páginas virtuais, algo onde expusesse o meu balanço relativamente às actividades desenvolvidas no âmbito das Comemorações do Centenário do Alves Redol, que faria ontem, 29 de Dezembro, precisamente, 100 anos. A leitura do blog O Tempo das Cerejas, no entanto, antecipou a vontade de o fazer.

Portugal e Vila Franca de Xira em particular souberam homenagear um dos mais significativos vultos literários do séc. XX português de forma honrosa. 
Escrevi aqui há cerca de um ano: 


Destaco, desde já, o grafismo da comunicação - criativo, leve e "legível", que destoa dolorosamente da comunicação que, nomeadamente, a Câmara Municipal de Vila Franca faz às iniciativas que organiza. O investimento em comunicação fez com que a cidade se imergisse na figura do homem que dá nome à sua rua principal, o que, mesmo para quem não se interessou minimamente - que ainda os há, enfim -, contribuiu para a valorização da ligação entre o escritor e o seu território e para que ninguém passasse ao lado dessa ligação.

O Programa das Comemorações era diversificado e rico, com o envolvimento de muitas instituições, querendo eu destacar as colectividades, principalmente o União e o Ateneu (porque são aquelas em que estou mais concentrado, só por isso). 
Do União, mais que as actividades da secção cultural, destaco a coragem estética de grafitar o seu pavilhão (isto de colectividades locais e do seu património, às vezes, já sabemos, e não raras vezes, cada um toma conta da sua hortinha e ai de quem queira mudar seja o que for, quanto mais mudar a fachada!), o que deu um toque de contemporaneidade "street" à evocação. 
Em relação ao Ateneu, talvez demasiado auto-centrado, destaco as duas produções do Teatro do Zero: Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos (com encenação e adaptação a partir do texto original minhas) e O Jogo do Mitos Cansados (a partir de O Destino Morreu de Repente, com encenação do Mauro Corage). Provou-se que é possível fazer teatro popular e amador em Vila Franca, com qualidade e bem aceites pelo público. Pena que os nossos governantes locais não tenham estado presentes para ver o que perdem quando deixam de apoiar a iniciativa e a criatividade dos grupos de teatro do concelho... (Faço aqui uma pausa para dizer que o à data vereador da cultura, João de Carvalho, esteve presente na estreia do Constantino; que o, à data, presidente da JF de Vila Franca, José Fidalgo, foi ver esse espectáculo a Bucelas; e que alguns vereadores, em nome pessoal, foram assistir a ambas as produções).

O Museu do Neo-realismo teve uma programação extensa e muito adequada, que só me dá pena por não ter podido desfrutar mais amiúde e calmamente da oferta.

Destaco, ainda, a honestidade intelectual de quem não desligou a actividade literária de Alves Redol com aquela que foi a sua actividade cívica, política e partidária. O meu receio que a despolitização do cidadão Redol como princípio da evocação do escritor, com medo de ferir susceptibilidades, por anti-comunismo básico ou por pura falta de destreza intelectual, não foi completamente acompanhado, o que fica bem a quem organizou as Comemorações, fica bem ao PCP e fica muito bem à história da luta anti-fascista, que teve no neo-realismo uma arma acutilante.


Faço já, então, a ligação a outro centenário, que se comemorará em 2012 - o de Woody Guthrie, cantautor estadunidense. Do homem que tinha escrito na guitarra "This Machine Kills Fascists" pouco se fala, em Portugal pouco se conhece, mas foi, com outros autores como o Pete Seeger, semente que as respostas que o vento soprava da Joan Baez, do Bob Dylan ou do Springsteen, só mais tarde colheram.

Infelizmente para a memória do homem e do compositor popular, os Estados Unidos têm dificuldade em evocar homens e mulheres comprometidos, segundo artigo do New York Times on-line. Injustiça que o comunista Guthrie não tenha sido nunca homenageado na sua Oklahoma natal, facto que, parece, será este ano rectificado. Justiça, enfim, à qual, por gostar do homem, da guitarra e da música, eu prometo prestar atenção em 2012.




quinta-feira, dezembro 29, 2011

Mas afinal o que é a liberdade?

Vale a pena o esforço de transcrição, em jeito de despedida do ano velho - olá ano novo e os desafios (lutas) que se avizinham!

"Céu

A liberdade não é surda-muda nem paralítica, ela vive, fala, bate as mãos, ri, assobia, clama, ela vive da vida.

Luís

Mas afinal o que é a liberdade? Apesar de tudo o que já se disse e de tudo o que dissemos sobre a liberdade, muitos dos senhores ainda estão naturalmente convencidos de que a liberdade não existe, que é uma figura mitológica, uma pura imaginação do homem. Mas eu garanto-lhes que a liberdade existe. Não só existe, como é feita de cimento e de cobre e tem cem metros de altura. Ela foi doada aos americanos pelos franceses em 1866, isso porque naquela época os franceses tinham liberdade a mais e os americanos não tinham nenhuma. Recebendo a liberdade dos franceses, os americanos colocaram-na à entrada do porto de Nova Iorque. Esta é portanto a verdade indiscutível. Até hoje a liberdade não penetrou... no território americano... Quando Bernard Shaw esteve nos Estados Unidos foi convidado a visitar a liberdade, mas recusou-se afirmando que seu gosto pela ironia não ia tão longe. Aquelas coisas em bico na cabeça da liberdade ninguém sabe o que sejam. Talvez seja uma previsão de defesa anti-aérea. Coroa de louros certamente não é. Antigamente era costume coroar-se os heróis e os deuses com coroas de louros. Mas quando os franceses doaram a liberdade aos Estados Unidos, nós portugueses já tínhamos desmoralizado o louro, pondo-o às portas das tabernas para anunciar o vinho novo. A confecção da monumental efígie custou à França trezentos mil dólares. Recebendo a liberdade dos franceses, os americanos fizeram-lhe um pedestal que, sendo americanos, custou muito mais caro do que a própria estátua: quatrocentos e cinquenta mil dólares. Assim, a liberdade põe em cheque a afirmativa de alguns amigos nossos, que dizem de boca cheia e usando uma frase importada, que o "Preço da Liberdade é a Eterna Vigilância". Não é. Como acabamos de demonstrar, o preço da liberdade é de setecentos e cinquenta mil dólares. Isso há quase um século atrás. Porque actualmente o Fundo Monetário Internacional, com a desvalorização da moeda, calcula o preço da nossa liberdade em algumas bases militares e em vários jazigos de minerais de interesse bélico".

in liberdade, liberdade, de Luiz Francisco Rebello, Luís de Lima e Helder Costa.

terça-feira, dezembro 20, 2011

Cesária Évora: funeral realiza-se hoje.


A Cize, como era carinhosamente conhecida, vai hoje a enterrar, em Cabo Verde. Não sei se é ou não doce morrer no mar - o que me fica de tradição bahiana dos livros que li do Jorge Amado não me faz querer deitar com Yemanjá, mas, de certa forma, é sempre lá que morremos, qual ilha que nos tornamos, submergindo-nos na memória que deixamos. De qualquer maneira, São Vicente é muito mais mar que Paris.

De resto, de morte ou vida, que seja doce como a Morna, e que tenha sido Morna a partida. Faltava, sinto, aqui esta minha homenagem.

Hei-los que mandam partir


Esta música do Manuel Freire não foi a primeira que me veio à inspiração quando vi as recentes declarações do Sr. Secretário de Estado da Juventude e, depois, do Sr. Primeiro Ministro. Confesso que o meu brasileirismo me trouxe uns versos do Chico - "ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Portugal", e ainda estou mesmo tentado a encarar tais declarações como uma manifestação de neo-expansionismo, evocação de um 6º Império a criar, portugalizar o mundo, enfim, "cumprir seu ideal" de nação sem latitudes definidas, toma lá ó Dante que voltámos a ter tugas a vender laranjas no purgatório! Ah, luso sangue aventureiro, por ti clamam os teus barões reassinalados!


Eles partem agora como partiram então: sem dinheiro, sem futuro. O universalismo assim montado é uma treta, é uma treta quando nos é imposto, quando não sai da nossa vontade - mais das oportunidades que procuramos em alternativa, do que pela falta de alternativas às oportunidades que procuramos e não encontramos.
Eu, universalista porque vejo o mundo como um todo e a mim dentro dele, me confesso: um dia quero sair, experimentar novas culturas, aprender a tocar vilão com o Chico Buarque e dançar tango em Buenos Aires. Mas agora só saio quando vos puder ver partir primeiro, para longe, para muito longe, para muito muito longe.


Mas, para terminar, mantenho a alegoria, agora na Mensagem do Pessoa:


E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme


E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»


Ou de El-Rei ou do Alexandre Mestre e do Passos Coelho, não?... Nã!....

O Escultor morreu há 50 anos

A morte é bicho para sair à rua nos dias que lhe dá na real gana. Quantas vezes injusta, umas rápida de mais, outras cedo de mais, tantas vezes dolente, outras vezes mandada, ali ao virar da esquina numa rua de Alcântara, quem sabe se se anunciou, se pediu primeiro a identificação, se disparou primeiro para o ar antes de se fazer bala certeira, se depois se deixou ser tropeços, pernas bambas, corpo que cai, que se levanta, que torna a cair e se arrasta, e é depois a respiração ofegante - se é que ainda se respira, e depois é o frio (e porquê o frio se o sangue que sai sai quente?) e ganha maturidade de imagem, a morte, assume-se calçada abaixo e fica só, a morte, sem mais nada a acrescentar.

Morrer de morte matada, atocaiado, desumaniza quem mata. Animaliza quem persegue, poetifica quem é encurralado. Num dia assim, de lobos à solta na cidade, há 50 anos, foi assassinado o escultor José Dias Coelho. Homem comunista que não merecia que a morte tivesse sido ordenada por bichos piores, pides, de letra pequena e espinha ainda menor - um e os outros, por razões apostas, merecem perdurar nas memórias do que somos.

Não sei porque é que o Zeca Afonso o lembrou e homenageou como pintor, mas não me lembro de uma homenagem melhor.

"Aqui te afirmamos dente por dente assim / que um dia rirá melhor quem rirá por fim."

segunda-feira, dezembro 05, 2011

Maiêutica sem Sócrates

Desde que o Jornal do Vilafranquense acabou, que a minha crónica desportiva se cingia ao comentário facebookiano de esparsas polémicas futebolísticas. Hoje, no entanto, porque há um mundo sem Sócrates (Brasileiro), volto ao exercício de conciliação da dança das palavras com a dança dos relvados.

Não me recordo de Sócrates em actividade. Em 1982 não tinha idade para filosofias e em 1986 o futebol era para mim uma ciência que se extinguia no aproximar o meu pé esquerdo a uma bola demasiado pesada e no retraçar a dentes de leite a mascote do Mundial do México que servia de porta-chaves ao meu irmão Ricardo (ou seria do Evaristo?). Mas a imagem de Sócrates impôs-se: o irmão do Raí (o do PSG nos anos 90) era termo de comparação - "este é bom, mas não se compara ao Sócrates!" -, ou, em definitivo, um exemplo a seguir mais carismático do que o João Luís (?) que foi lateral do Sporting nos finais dos anos 80/ início dos anos 90, os dois apresentados como referências de que seria possível conciliar medicina e futebol profissional. A bem de alguma coisa, acabei por abandonar as duas vocações infantis a tempo! E depois, as imagens: aquela elegância "'tou nem aí" de jogar de calcanhar, a fluidez dos movimentos, da corrida, a colocação do remate e aquele jeito meio estranho de cerrar o punho para celebrar um golo, lembrando que uma imagem de força pode ser utilizada como comemoração, provando que a força é também ela, por força de o ser, fonte de alegria. E pois, enfim, a política - Democracia Corintiana antes de haver algo que se assemelhasse no Brasil, participação dos jogadores na gestão dos clubes, apoio explícito ao movimento "Directas Já!"...

O futebol e os futebolistas em particular apresentam-se, tantas vezes, tão parcos em ideias, que ter existido um jogador assumidamente activo, implicado e coerente, é motivo mais que suficiente para o celebrar, mais uma vez, talvez a última. De punho erguido...

sexta-feira, dezembro 02, 2011

The end of the affair

Vila Franca de Xira cumpre, na geografia nacional, o relevo peregrino de ser o único concelho só com partidos de esquerda - nem no PREC seria possível rivalizarem com este concelho!
Ainda não houve tempo para se descobrirem as verdades, mas parece que as comadres se zangaram! É o que dá tanta esquerda junta a fazer a política dos outros que não o são...
Faço, desde já, algumas perguntas:
1 - Vão os partidos que formam a coligação de esquerda Novo Rumo, começar finalmente a fazer oposição, ou propostas que se vejam, na Câmara e Assembleia Municipais?
2 - Qual vai ser a posição do vereador João de Carvalho ao seu isolamento, dado que, segundo os jornais, ele próprio se demarcou da posição da restante coligação?
3 - O PSD vai encontrar algum candidato mais à esquerda, ou perdoa a João de Carvalho a deriva direitista?
4 - O CDS vai-se assumir como direita, depois de se um percurso socializante que nítida e publicamente já recusaram?
5 - E o PS, depois de aparentemente desistir de levar o PSD ao colo até 2013, vai retemperar, orgulhosamente só, as forças para recuperar o desgaste de uma governação espasmódica?

Foi, como no livro de Graham Greene, o Crepúsculo de um Romance. Menos juntinhos em tempos frios, esperemos que aqui não acabe em pneumonias!

terça-feira, outubro 18, 2011

OP como em Cascais

Não querendo "bater mais no ceguinho", mas "até um cego vê" que o processo OP VFX tem pressupostos errados, ocorrências manipulativas, visões enubladas. Se o objectivo é promover a participação pública, as posições da autarquia têm sido contraproducentes, lesivas da perspectiva que entende que é necessária uma maior participação, um menor isolamento do poder - que poderá não ser a da Sra. Presidente, o que é legítimo, mas é a de muitos autarcas nacionais e, pasme-se, é a da ONU. A população de Vialonga classificou o processo como "inútil" e eu não podia estar mais de acordo. Vila Franca não é Lisboa nem é Cascais, mas também em termos de OP não tinha de ser diferente apenas para pior.

quarta-feira, setembro 28, 2011

Sobre o Orçamento Participativo em Vila Franca de Xira

O anúncio de um processo de Orçamento Participativo (OP) no concelho de Vila Franca de Xira (VFX) poderá, a priori, entusiasmar aqueles que, como eu, defendem outro modelo de gestão da “coisa pública”, mais participativo e, na senda efectiva de uma abordagem que respeite a etimologia: mais democrática.
A democracia de carácter representativo em que vivemos veio dar resposta às necessidades de uma “sociedade comercial”, cujo objectivo corresponde à tomada de decisões pragmáticas no contexto da complexidade da governação, maximizando-se a responsabilidade política e minimizando as possibilidades de participação (1). A democracia representativa cria, assim, cidadãos privados, focados nas preocupações privadas do emprego ou da família, afastados, portanto, das instituições, dos conceitos e das políticas e práticas que constituem a estrutura e a dialéctica do que se convenciona como Democracia (a que conhecemos como tal e que tão violentamente exportamos). Mais do que a verbalização popular exageradamente generalizante do “eles são todos iguais”, ou “os políticos são todos uns ladrões”, é na estatística associada ao acto representativo por excelência – o voto! – que se percebe este afastamento, verificando-se, entre 1976 e 2011, um aumento da abstenção de 16,47% para 41,97% (2).
Esta realidade, além dos problemas de legitimidade sistémica, cria disfuncionalidades que toldam a cidadania, diminuem a capacitação cidadã no contexto dos processos de sociabilização e, como corolário, promovem a exclusão social. Segundo o Banco Mundial, “… [a] baixa participação e as desigualdades sociais estão tão ligadas entre si que uma sociedade mais equitativa e humana requer um sistema político mais participativo” (3).
Falar, portanto, de participação pública, ou do aprofundamento participativo dos processos democráticos das sociedades ocidentais contemporâneas, é falar de reconhecer que a complexidade das relações societais não se resolve apenas em sede de representação, mas com a participação dos indivíduos e organizações que corporizam essa complexidade. Em última instância, a deserção popular inspira a autocracia, enquanto a participação fortalece a democracia.

Conscientes das ambiguidades associadas ao desenvolvimento humano, diversas instituições globais têm promovido programas e projectos cujo enquadramento se sustenta na participação pública e na promoção de uma democracia mais participativa, mais eficaz, equitária e sustentável. São exemplos desses programas o OP ou a Agenda 21 Local (A21L), processos que a Câmara Municipal (CM) de VFX afirma promover.

No entanto, se se considerar que a concertação está para a democracia participativa como o voto está para a democracia representativa (4), as práticas assumidas de participação têm tido perspectivas que, muitas vezes, mais que concertar, ou assentar numa base clara de partenariato, servem para legitimar as opções dos decisores, ou seja, encontram-se nos níveis mais baixos da escala de Arnstein (a escala de Arnstein (1969) define oito níveis de participação - Manipulação, Terapia, Informação, Consulta, Apaziguamento, Partenariato, Delegação de Poderes e Controlo Cidadão). Com efeito, segundo Dalal-Clayton, “nos países industrializados, as agências governamentais seguem com frequência o que Walker e Daniels (1997) chamam de modelo dos 3I: informar (o público), invite (comentários) e ignorar (opiniões)” (5).

A experiência da participação pública em VFX vem exactamente no sentido desta consideração. Os processos recentes de participação pública aquando da Revisão do PDM e da A21L, assim chamados, são paradigmáticos da tendência para ignorar os seus resultados, ao mesmo tempo que, como Pilatos, a autarquia lava as mãos das eventuais acusações de não promover a participação cidadã. No primeiro caso, optou-se por um modelo de abordagem passiva, com sessões públicas devidamente institucionalizadas nas intervenções políticas oficiais e do público (maioritariamente daquele público cujo capital político o aproxima do oficial), na teia da informação técnica e na formalidade dos actos de estar presente e intervir – tendo existido a participação, não só nas sessões públicas, mas também nas propostas endereçadas por outras vias, quantas e quais dessas propostas foram consideradas? No segundo caso, após um processo de auscultação aos presidentes de junta e após onze sessões de participação activa (utilizando metodologias de envolvimento que implicavam a participação de todos os presentes) em todas as freguesias do concelho, foram priorizados diversos problemas, apoiados em acções concretas para os resolver – mas o que aconteceu a essas acções, a esse processo?
Nos dois exemplos mencionados, a ideia de participação e o capital de esperança depositado pelas populações nesses processos foram completamente desperdiçados. No final da tese de mestrado que escrevi sobre a A21L em VFX, comentava: “Em Vila Franca de Xira ou em qualquer outro lugar do mundo, quebrar o processo é não encarar o futuro” – claramente quem gere os destinos de VFX ignorou o caminho que construía através desse processo…

Tendo apoiado a realização de um OP, não só enquanto técnico da CM que fui mas também enquanto eleito municipal, ao constatar o modelo e a forma como este processo iria ser iniciado no concelho, não me consegui entusiasmar. OP é, por definição, “um mecanismo governamental de democracia participativa que permite aos cidadãos influenciar ou decidir sobre os orçamentos públicos, geralmente o orçamento de investimentos de prefeituras municipais, através de processos da participação da comunidade” (6). Numa leitura linear, bem, entre a definição e a prática, VFX e a grande maioria dos municípios portugueses que implementam o OP serão pioneiros da participação e do envolvimento cidadão na gestão da “coisa pública”! No entanto, “influenciar ou decidir” o quê?
O processo proposto de OP em VFX, para quem não conhece, é “deliberativo condicionado” (7), ou seja, assenta em propostas do município, que serão priorizadas pelos votantes. Traduzo: a CM diz aos interessados que tem estes projectos em carteira, os quais, não podendo ser todos realizados em 2012, terão que ser priorizados – e aí entram os interessados, priorizando! Os projectos propostos são:
- Em Alverca do Ribatejo: Requalificação da zona a tardoz da Rua 9 de Agosto; Requalificação da Praceta da Cabine;
- Em Póvoa de Santa Iria: Requalificação da Rotunda dos Caniços; Requalificação do Espaço frente ao Parque Infantil da Urb. Tágides Park;
- Em Vialonga: Requalificação do espaço a tardoz da Rua Olival Santo e Rua Manuel Inácio Braga; Reconversão do antigo Parque Infantil do Morgado em zona de estadia e lazer
- Em Vila Franca de Xira: Requalificação do antigo parque infantil do parque Residencial de Povos; Requalificação dos espaços exteriores nas traseiras da Rua Egas Moniz junto à Escola Prof Reynaldo dos Santos.

Mais do que a perversão do processo de OP, há a constatação da própria perversidade do sistema: segundo os nossos representantes, os problemas de VFX existem apenas nas chamadas zonas verdes ou de lazer, como se pode ver pelos projectos propostos. Num processo de participação real, não sei se alguém se iria lembrar de mencionar sequer qualquer um destes projectos como prioridade… “Influenciar e decidir”, participar, não é escolher qual é o projecto que um determinado vereador vai inaugurar primeiro!
Mesmo o argumento propagado da falta de tempo para organizar um processo de OP que se reconhecesse como tal, não convence nem compensa a falta de entusiasmo (nas populações e nos responsáveis políticos) que este modelo assume. Se era vontade da autarquia desenvolver o OP em 2011 (como foi assumido pela Sra. Presidente da CM), mesmo com falta de tempo para o preparar, porque não ter em consideração projectos, acções e problemas assumidos pelas populações, por exemplo, no processo da A21L, esquecido e encostado, conforme se pode ver na ligação?

Considero que o fortalecimento da democracia necessita de uma participação pública efectiva; de parcerias e não do isolamento do poder. Acredito que a superação da crise passará muito por aí – ultrapassando a crise económico-financeira, mas antes disso a crise de valores e de ética.
A CM VFX tem exercido, com a sua prática, exactamente aquilo que os teóricos e os técnicos de Participação mais temem – substitui sustentável por sustentado e participativo por participado – contribui com obscurantismo institucional e desconfiança à necessidade de abertura das instâncias do poder.
Talvez, um dia, a imagem que apresento a seguir se materialize:
“Cidadania, mundo público aberto à discussão, alto nível de associativismo, relações de confiança e reciprocidade disseminadas na sociedade, relações individuais não segmentadas; para além do grupo social familiar e, finalmente, experiência de governo comunal, em que a participação popular é a tónica e a informação circula sem grandes barreiras, portanto, a custos não proibitivos: eis a descrição aproximada de uma comunidade cívica dotada de alto nível de capital social, em que provavelmente existe bom governo, bom desempenho institucional e, como consequência dos anteriores, bom nível de desenvolvimento económico.” (8)

O caminho de construção de uma democracia mais participativa tem, seguramente (até pelos exemplos globais da aplicação deste processo), desarmonias com o status institucional vigente. Deixo, aqui, ligações ao processo do OP de Belo Horizonte, no Brasil, do qual existe um interessante documentário realizado pelo português João Ramos de Almeida.
A crítica que faço ao OP de VFX não é um apelo à não-participação. Pelo contrário: contra a participação legitimadora da não-participação do “nós até temos OP”, é preciso que participemos em todos os momentos possíveis e que reforcemos a necessidade de aprofundar este e outros processos, para que não caiam, mais uma vez, no esquecimento cinzentista da gestão autárquica que a nós devemos. Para que VFX possa indicar, enfim, um caminho de futuro.

(1) MARTINS, Manuel Meirinho (2005), Governo Local, Participação e Cidadania – Entre o Cidadão Político e o Cidadão Consumidor, in: Mota, Arlindo (2005), Governo Local, Participação e Cidadania – O caso da Área Metropolitana de Lisboa, Vega, Lisboa, pp. 7- 16
(2) www.cne.pt
(3) CUNHA, Paulo Vieira da e Maria Valeria Junho Peña (1997), The Limits and Merits of Participation, Policy Research Working Paper, The World Bank
(4) LACOUTURE, Henri Bourrut (2006), Educación ambiental, participación ciudadana, desarrollo sostenible y Agenda 21 Local, III Jornadas de Educación Ambiental de la Comunidad Autónoma de Aragón, CIAMA, Zaragoza,
(5) DALAL-CLAYTON, Barry e Stephen Bass (2002), Sustainable Development Strategies: A Resource Book, OECD, Paris and United Nations Development Programme, New York
(6) http://pt.wikipedia.org/wiki/Orçamento_participativo
(7) http://www.op-portugal.org/noticias.php?id=868
(8) BONFIM, Washington Luís de Sousa e Irismar Nascimento da Silva (2003), Instituições Políticas, Cidadania e Participação: A Mudança Social ainda é Possível?, Revista de Sociologia e Política, número 021, Universidade Federal do Paraná, Curutiba (Brasil), pp. 109-123

sexta-feira, abril 29, 2011

Deixem jogar o Mantorras

Parti da hipótese da inexistência de heróis, como se todos os actos de coragem, abnegação, propulsores de uma motivação colectiva que nos levasse a transcender com as nossas acções a realidade que vivemos, não tivesse passado, ao longo dos séculos, de maquinações desenhadas num gabinete de uma agência de inteligência ou num convento qualquer, dedicados a manipular as nossas vontades e, como substrato, ter usado histórias inventadas de homens e mulheres cujos actos nunca ocorreram. A nossa História seria uma mentira e a humanidade, na verdade, não acrescentava qualquer valor simbólico ao conjunto biofísico em que nos inserimos – a vida não teria sonho e não teria esperança.

Parti daí. Mas quando chegava ao final, com artigo pronto a editar e orgulhoso da encenação intelectualizada que tinha criado, revi umas imagens do Mantorras e da notícia do seu abandono oficial, que deitava por terra qualquer formulação de tese que permitisse a aclamação da minha teoria. Às vezes esquecemo-nos: para um futebolista a carreira é curta e, na maioria das vezes (muito longe das luzes mediáticas), cheia de condicionantes, que vão das lesões à insolvência e insustentabilidade dos clubes. Esquecemo-nos: idolatramos quem resolve os jogos, quem ganha campeonatos, quem ergue as taças, mas os heróis do campo são os que sacrificam a sua vida e a sua saúde pela importância de estar em campo, de defender a sua camisola, por acreditar que, nesse sacrifício, há uma dimensão de libertação que transcende a dor.

Assim era o Mantorras, o homem. Há muito que sabíamos da sua inabilidade física, mas quem não vibrava com a alegria que tinha quando entrava em campo, o êxtase do golo que não raras vezes resolvia partidas, a ingenuidade doce do menino do bairro pobre de Luanda que nunca deixou de ser?
Porque ele merece e porque todos nós, mesmo quando não torcemos pelo Benfica, o merecemos, quero exigir: deixem jogar o Mantorras. Pelo menos mais uma vez. Aos futuros jogadores que fazem o União, gostaria que soubessem que o futebol que interessa é esse, feito de esforço, mas de superação, em nome da alegria maior de cumprir o futebol.

Cito Ary dos Santos, no Retrato do Herói, pensando no Mantorras, o herói:

“Herói é quem morrendo perfilado
Não é santo nem mártir nem soldado
Mas apenas por último indefeso.

Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso.”

Artigo publicado no Jornal UDV Nº 13 de Março de 2011

terça-feira, março 01, 2011

Um bom ano…




Já passaram uns dias deste mês de Janeiro e, inevitavelmente, estranho os “bom ano!” que visitas espaçadas me vão dando, como se fosse para mim irreal falar de liberdade fora do mês de Abril, ou em terra de touros e toureiros os bois tivessem sempre de ser chamados pelos nomes, ou o Natal, esse carrossel longínquo, não fosse, enfim, quando um homem (ou uma mulher) quiser. E, pois, desejar um bom ano a quem encontramos com tempo e capacidade de desejarmos bom ano - antes que eleições e crises financeiras façam com que o ano cumpra o que promete e deixe de ser bom -, deveria ser motivo de agradecimento, não de estranheza e zombaria.
Assumo esse erro de estranhar o que deveria receber como um abraço. Afinal, eu quero acreditar que este será um bom ano! Por dedicação… À esperança, à realidade, à vida…
E no União como no Ateneu, em A-dos-Loucos como em Paris (comparação estranha que li uma vez sugerida como ao mesmo nível de importância e que agora me faz todo o sentido), nesta Vila Franca que se quer diferente sendo-o cada vez menos, dizia, a esperança, a realidade e a vida evocam-me o Alves Redol, de quem se cumpre este ano o centenário do nascimento.
Nestas coisas de póstumas homenagens, quem cá está pega na mão de quem foi e devora-lhe o braço sem contemplações, o que multiplicando pelos que apertam mão e pé e o que puderem, cedo-cedo um homem (ou uma mulher) é devorado até à memória, quando a sua história e as suas acções se confundem apenas com os ossos que ficaram. Mas a obra nasce porque o homem (ou a mulher) quer - que se não a quisesse o sonho acabava ao acordar - e do Alves Redol mais do que as mãos dos que lhe apertaram a mão, temos as palavras que nos forjam numa forma de ser e estar, como se no União e no Ateneu, em Vila Franca e para onde formos, existisse algo dele, uma similitude genética em todos os que, de qualquer forma, percorremos as mesmas ruas.
Não sei se o Redol teve, em algum momento da vida dele, de se confrontar com uma certa “saudade da infância”. Talvez que, utilizando a expressão do Soeiro, dos “filhos dos homens que nunca foram meninos” não se conheça essa saudade… Ainda num destes sábados fui ao Cevadeiro ver a equipa de infantis e recordei-me do miúdo que fui quando pisava aquele campo. E esta recordação tive-a na mesma altura em que trabalhava sobre o Constantino do Redol (o guardador de vacas e de sonhos que eu acho comparável ao Principezinho do Saint ‘Exupéry e ao Ngunga do Pepetela, cada um à sua dimensão), como se ao crescermos tivéssemos a obrigação de nos confrontarmos com a imagem que tínhamos de nós quando tivéssemos a idade que temos. Nessa reflexão, como o Constantino, o miúdo que fui não gostava que não se fizesse a justiça devida a quem merece que essa justiça seja feita.
Este ano que já começou promete muitas injustiças. Mas, por ser um ano de centenário do nascimento do Alves Redol, talvez que esse mau destino possa morrer de repente… Talvez também porque a cidade onde viveu e as instituições que a representam (autarquias e colectividades) possam marcar este ano com um sinal claro de afirmação do que é justo – neste caso, uma homenagem que tenha o tamanho do homem e do que temos do que ele forjou!
Um bom ano para todos, então.

Artigo publicado no Jornal UDV Nº 11 de Janeiro de 2011

sexta-feira, janeiro 28, 2011

Elogio da União – Reflexões sobre o jantar

As encruzilhadas colocam aos indivíduos e às organizações que nelas se encontram dúvidas de estratégia e táctica posicional que, indelevelmente, definem o seu caminho. A sua sustentabilidade é posta à prova na forma como encaram essa situação - no impasse que antecede a decisão e no assumir as consequências dos passos tomados, no lidar com o de bom ou de mau advém dessa decisão.
Por sinónimo, encruzilhadas são também cruzamentos e entroncamentos, espaços de encontro e convergência.

O jantar do passado dia 7 de Dezembro, foi um momento de encontro duma e numa instituição com uma história e um património, especialmente o imaterial, que lhe confere uma identidade que é motivo de orgulho e razão de esperança. Os homenageados, mais ou menos mediáticos, reflectiram a importância de um clube e da cidade da qual é consequência, na saúde e na doença, em testemunhos emocionados e emocionantes da sua ligação à realidade que é a de todos nós, os que já suámos e suamos a camisola do União, para as vitórias, os empates (impasses?) e as derrotas. A encruzilhada em que o União se encontra, pois, embateu suavemente numa superfície de amizade e de afirmação de vontade de dar os passos necessários à prossecução deste caminho que é o sonho de várias gerações de vilafranquenses.
Se o estado a que chegámos provoca inquietações, a verdade é que quem esteve naquele jantar não presenciou um velório e, desse modo, estas palavras não formam um epitáfio, nem têm a razoabilidade cínica dos treinadores de bancada que fariam tudo de forma totalmente diferente mas que nunca fazem nada, nem sequer é um exercício entediante e esotérico cheio de um o-que-poderia-ter-sido que ninguém nunca tentou sequer dar hipótese a errar. Não, o União está vivo! No corpo que tem, o sangue corre e o cérebro discorre, há vontade, há reflexão, há discussão, há força, há esperança...

A estratégia, que subentende um objectivo a atingir, está delineada – materializar um clube competitivo a nível regional e nacional. A táctica, enquanto organização das transições de defesa e ataque em cada momento, merece solidariedade e apoio.
A gestão de um grupo de homens e mulheres, como a de um plantel, deverá ser feita de modo a potenciar os indivíduos, enquadrar esse potencial nos processos da equipa, mobilizar os que se equipam e os que apoiam da bancada. Só assim se consegue e faz sentido prosseguir as vitórias e atingir os objectivos.
Naquele jantar de homenagens solidificou-se uma equipa. E, nas diferentes valências, tarefas e ideias de cada um dos presentes, homenageou-se o elemento essencial e estruturante do que somos – a união. Outras crises tivessem a mesma resposta...