terça-feira, março 01, 2011

Um bom ano…




Já passaram uns dias deste mês de Janeiro e, inevitavelmente, estranho os “bom ano!” que visitas espaçadas me vão dando, como se fosse para mim irreal falar de liberdade fora do mês de Abril, ou em terra de touros e toureiros os bois tivessem sempre de ser chamados pelos nomes, ou o Natal, esse carrossel longínquo, não fosse, enfim, quando um homem (ou uma mulher) quiser. E, pois, desejar um bom ano a quem encontramos com tempo e capacidade de desejarmos bom ano - antes que eleições e crises financeiras façam com que o ano cumpra o que promete e deixe de ser bom -, deveria ser motivo de agradecimento, não de estranheza e zombaria.
Assumo esse erro de estranhar o que deveria receber como um abraço. Afinal, eu quero acreditar que este será um bom ano! Por dedicação… À esperança, à realidade, à vida…
E no União como no Ateneu, em A-dos-Loucos como em Paris (comparação estranha que li uma vez sugerida como ao mesmo nível de importância e que agora me faz todo o sentido), nesta Vila Franca que se quer diferente sendo-o cada vez menos, dizia, a esperança, a realidade e a vida evocam-me o Alves Redol, de quem se cumpre este ano o centenário do nascimento.
Nestas coisas de póstumas homenagens, quem cá está pega na mão de quem foi e devora-lhe o braço sem contemplações, o que multiplicando pelos que apertam mão e pé e o que puderem, cedo-cedo um homem (ou uma mulher) é devorado até à memória, quando a sua história e as suas acções se confundem apenas com os ossos que ficaram. Mas a obra nasce porque o homem (ou a mulher) quer - que se não a quisesse o sonho acabava ao acordar - e do Alves Redol mais do que as mãos dos que lhe apertaram a mão, temos as palavras que nos forjam numa forma de ser e estar, como se no União e no Ateneu, em Vila Franca e para onde formos, existisse algo dele, uma similitude genética em todos os que, de qualquer forma, percorremos as mesmas ruas.
Não sei se o Redol teve, em algum momento da vida dele, de se confrontar com uma certa “saudade da infância”. Talvez que, utilizando a expressão do Soeiro, dos “filhos dos homens que nunca foram meninos” não se conheça essa saudade… Ainda num destes sábados fui ao Cevadeiro ver a equipa de infantis e recordei-me do miúdo que fui quando pisava aquele campo. E esta recordação tive-a na mesma altura em que trabalhava sobre o Constantino do Redol (o guardador de vacas e de sonhos que eu acho comparável ao Principezinho do Saint ‘Exupéry e ao Ngunga do Pepetela, cada um à sua dimensão), como se ao crescermos tivéssemos a obrigação de nos confrontarmos com a imagem que tínhamos de nós quando tivéssemos a idade que temos. Nessa reflexão, como o Constantino, o miúdo que fui não gostava que não se fizesse a justiça devida a quem merece que essa justiça seja feita.
Este ano que já começou promete muitas injustiças. Mas, por ser um ano de centenário do nascimento do Alves Redol, talvez que esse mau destino possa morrer de repente… Talvez também porque a cidade onde viveu e as instituições que a representam (autarquias e colectividades) possam marcar este ano com um sinal claro de afirmação do que é justo – neste caso, uma homenagem que tenha o tamanho do homem e do que temos do que ele forjou!
Um bom ano para todos, então.

Artigo publicado no Jornal UDV Nº 11 de Janeiro de 2011