Já tinha pensado escrever, nestas páginas virtuais, algo onde expusesse o meu balanço relativamente às actividades desenvolvidas no âmbito das Comemorações do Centenário do Alves Redol, que faria ontem, 29 de Dezembro, precisamente, 100 anos. A leitura do blog O Tempo das Cerejas, no entanto, antecipou a vontade de o fazer.
Portugal e Vila Franca de Xira em particular souberam homenagear um dos mais significativos vultos literários do séc. XX português de forma honrosa.
Escrevi aqui há cerca de um ano:
"Este ano que já começou promete muitas injustiças. Mas, por ser um ano de centenário do nascimento do Alves Redol, talvez que esse mau destino possa morrer de repente… Talvez também porque a cidade onde viveu e as instituições que a representam (autarquias e colectividades) possam marcar este ano com um sinal claro de afirmação do que é justo – neste caso, uma homenagem que tenha o tamanho do homem e do que temos do que ele forjou!"
Destaco, desde já, o grafismo da comunicação - criativo, leve e "legível", que destoa dolorosamente da comunicação que, nomeadamente, a Câmara Municipal de Vila Franca faz às iniciativas que organiza. O investimento em comunicação fez com que a cidade se imergisse na figura do homem que dá nome à sua rua principal, o que, mesmo para quem não se interessou minimamente - que ainda os há, enfim -, contribuiu para a valorização da ligação entre o escritor e o seu território e para que ninguém passasse ao lado dessa ligação.
O Programa das Comemorações era diversificado e rico, com o envolvimento de muitas instituições, querendo eu destacar as colectividades, principalmente o União e o Ateneu (porque são aquelas em que estou mais concentrado, só por isso).
Do União, mais que as actividades da secção cultural, destaco a coragem estética de grafitar o seu pavilhão (isto de colectividades locais e do seu património, às vezes, já sabemos, e não raras vezes, cada um toma conta da sua hortinha e ai de quem queira mudar seja o que for, quanto mais mudar a fachada!), o que deu um toque de contemporaneidade "street" à evocação.
Em relação ao Ateneu, talvez demasiado auto-centrado, destaco as duas produções do Teatro do Zero: Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos (com encenação e adaptação a partir do texto original minhas) e O Jogo do Mitos Cansados (a partir de O Destino Morreu de Repente, com encenação do Mauro Corage). Provou-se que é possível fazer teatro popular e amador em Vila Franca, com qualidade e bem aceites pelo público. Pena que os nossos governantes locais não tenham estado presentes para ver o que perdem quando deixam de apoiar a iniciativa e a criatividade dos grupos de teatro do concelho... (Faço aqui uma pausa para dizer que o à data vereador da cultura, João de Carvalho, esteve presente na estreia do Constantino; que o, à data, presidente da JF de Vila Franca, José Fidalgo, foi ver esse espectáculo a Bucelas; e que alguns vereadores, em nome pessoal, foram assistir a ambas as produções).
O Museu do Neo-realismo teve uma programação extensa e muito adequada, que só me dá pena por não ter podido desfrutar mais amiúde e calmamente da oferta.
Destaco, ainda, a honestidade intelectual de quem não desligou a actividade literária de Alves Redol com aquela que foi a sua actividade cívica, política e partidária. O meu receio que a despolitização do cidadão Redol como princípio da evocação do escritor, com medo de ferir susceptibilidades, por anti-comunismo básico ou por pura falta de destreza intelectual, não foi completamente acompanhado, o que fica bem a quem organizou as Comemorações, fica bem ao PCP e fica muito bem à história da luta anti-fascista, que teve no neo-realismo uma arma acutilante.
Faço já, então, a ligação a outro centenário, que se comemorará em 2012 - o de Woody Guthrie, cantautor estadunidense. Do homem que tinha escrito na guitarra "This Machine Kills Fascists" pouco se fala, em Portugal pouco se conhece, mas foi, com outros autores como o Pete Seeger, semente que as respostas que o vento soprava da Joan Baez, do Bob Dylan ou do Springsteen, só mais tarde colheram.
Infelizmente para a memória do homem e do compositor popular, os Estados Unidos têm dificuldade em evocar homens e mulheres comprometidos, segundo artigo do New York Times on-line. Injustiça que o comunista Guthrie não tenha sido nunca homenageado na sua Oklahoma natal, facto que, parece, será este ano rectificado. Justiça, enfim, à qual, por gostar do homem, da guitarra e da música, eu prometo prestar atenção em 2012.