quarta-feira, outubro 28, 2009

Três Cantos



Enfim juntos. Enfim.

Numa altura é que está tão na moda vilipendiar deus não me apetece chegar tão longe, porque, e se as contas são dele, só me resta humildemente agradecer-lhe - três que juntos, contas feitas, deram uma dimensão ao canto, à melodia, à poesia, que um indivíduo, pá, sai de um concerto como actor histórico e com a alma prontinha para lhe dizer - ao deus -, que o céu na terra pode ainda não ter tido oportunidade de ser edificado, mas com tijolos destes, ele não terá só que parecer melhor pessoa, mas ter a aparência de vendedor de bíblias bem encadernadas e com um sorriso resplandecente para que alguém acredite que o seu trabalho seja insubstituível - não se lhe pondo em causa a competência matemática, mas afirmando que aqui se está bem melhor!

No passado dia 22 fui ao Campo Pequeno, ver o concerto Três Cantos, com os grandes José Mário Branco, Fausto Bordalo Dias e Sérgio Godinho. Sem querer ofender as qualidade de outros, neste concerto estiveram, na minha modesta opinião, os melhores representantes da sua geração, oriundos de um tempo em que partilharam palcos e espaços de referência, mas viventes e intervenientes num tempo que é o que vivemos, a que se adaptaram (ainda que de forma muito diferenciada, entre eles) e no qual transmitem a força desse grande espaço que é a melodiosa poesia do caminho para um futuro de liberdade, daquela que "está a passar por aqui", "por este rio acima", na "margem de certa maneira".

Saí de lá, de facto, com a sensação de ter visto algo maior. Algo que, se, ou quando, arranjar o DVD do concerto, possa dizer: "este concerto será para os meus filhos o mesmo que foi para mim o concerto do Zeca no Coliseu", um mergulho de cravos, lágrimas de pais que herdei, uma celebração que não teve a minha presença, mas que relembro da primeira fila.

Três cantos que afirmam, "contem com isto de nós, para cantar e para o resto". Eu conto.

quarta-feira, setembro 09, 2009

Um povo em construção para construir um país que será libertado

“Aqui não crescem plantas nem árvores, mas florescem pessoas”.

Esta afirmação, testemunho de humanismo e esperança, poderia caracterizar toda a população saharaui que vive nos acampamentos de refugiados de Tindouf, na Argélia, com a qual contactámos em Abril último, no âmbito de uma delegação portuguesa dinamizada pelo CPPC.

Voltámos a Portugal há já vários meses, mas, de alguma forma, algo de nós ficou nas tendas e nas construções de adobe das famílias que nos acolheram como se fossemos familiares que voltavam após longa ausência, onde partilhámos a angústia e a revolta daquele povo, mas também a sua esperança e a sua capacidade de lutar por um Sahara Ocidental livre da ocupação marroquina, que se arrasta ilegal e brutalmente há mais de 30 anos.

Tentamos imaginar o que sente um saharaui que, desde 1975, não vê a terra onde nasceu, se vê remetido ao lado lunar da geoestratégia internacional, nas condições terrenas mais agressivas, sem solução à vista; ou o saharaui que, tendo nascido nos acampamentos, sabe que aquele não é o seu lugar, que nada do que possa construir de material ali é verdadeiramente seu.

No entanto, não se pode destacar do que vimos a falta de bens e as condições duras em que vivem, mas sim a capacidade de organização da vida naqueles campos de refugiados, onde tudo funciona com um objectivo maior – o regresso às suas terras, ao seu país. Não um regresso atabalhoado de início de saldos como vemos nas nossas catedrais de consumo, mas um regresso construído, um regresso feito de sangue e suor, de trabalho, de estudo, de sacrifícios de mulheres e homens que dão as suas capacidades, a sua paciência e, não raras vezes ao longo da luta pela independência, a sua vida para que esse objectivo se concretize. Sentimos isso e com essa confiança assumimos como nossa a luta dos que tão fraternalmente nos receberam.

Os portugueses já demonstraram recentemente a sua solidariedade e capacidade de união em torno de um povo que luta pela sua soberania e independência. Trocamos os protagonistas e o Sahara Ocidental é Timor Leste ocupado e Marrocos é a Indonésia ocupante e violadora dos mais elementares direitos humanos. Como com Timor, é necessário unirmo-nos e usar os meios ao nosso alcance para exigir a retirada marroquina e permitir ao povo saharaui assumir as rédeas dos seus destinos. O Sahara Ocidental será livre e poderá contar connosco!


Publicado em "Notícias das Paz", Setembro de 2009

segunda-feira, julho 27, 2009

Declaração do Conselho Mundial da Paz sobre a situação nas Honduras

Divulgo a seguinte declaração, porque a soberania e a liberdade dos povos assim o exige:

Declaração do Conselho Mundial da Paz sobre a situação nas Honduras

Aprovada na Reunião Regional das Américas do Conselho Mundial da Paz

Graves acontecimentos ocorreram nas Honduras nas últimas semanas. Os sectores mais reaccionários das Honduras, ligados ao imperialismo norte-americano, orquestraram um golpe militar contra o presidente constitucionalmente eleito Manuel Zelaya.


O golpe é fruto de uma reacção dos sectores mais conservadores das Honduras face às mudanças políticas que vem sendo levadas adiante pelo presidente Zelaya, em especial a consulta ao povo hondurenho para a convocação de uma Assembleia Constituinte.


A reacção da oligarquia hondurenha é fruto também da aproximação do governo do presidente Zelaya aos governos progressistas da América Latina e do ingresso das Honduras na Aliança Bolivariana para as Américas – ALBA – e consequente seu distanciamento dos EUA, diminuindo ainda mais a influencia norte-americana na região.


A cada facto novo tornam-se mais evidentes as impressões digitais do imperialismo norte-americano no golpe perpetrado nas Honduras. O envolvimento da burguesia hondurenha com os sectores mais conservadores dos EUA advém de longa data. Na década de 80, um dos períodos mais sangrentos da historia da América Central, Honduras foi a principal base de apoio para as operações de guerra suja contra a revolução sandinista e outros países da região, orquestradas pelos falcões John Negroponte e Otto Reich, que eliminaram as vidas de milhares de pessoas na região. As Honduras também foram base por longos anos, do maior terrorista das Américas, Posadas Carriles. Carriles, orquestrou desde ai, vários atentados contra Cuba e prestou seus serviços à guerra suja na região.


Os sócios hondurenhos de John Negroponte, Otto Reich e Posadas Carriles estão envolvidos no golpe militar, sendo que alguns dos principais generais golpistas foram alunos exemplares da nefasta Escola das Américas, centro de excelência na prática de golpes militares e técnicas de tortura dos EUA para a América Latina.


É evidente a influência de sectores ultra-reaccionários incrustados no aparato do Estado norte-americano, como militares e sectores da inteligência dos EUA no golpe. Nas Honduras também funciona a base militar dos EUA de Soto Cano, localizada em Palmerola, a 97 km de Tegulcigalpa, uma moderna estrutura que comporta condições de operação de aviões C-5, os maiores dos EUA, além de ser sede da "Força de Tarefa Conjunta Bravo", subordinada ao Comando Sul com sede em Miami. O presidente Manuel Zelaya vinha afirmando que iria romper o tratado que permitia aos Estados Unidos utilizar o solo hondurenho para suas aventuras bélicas. Não há a menor dúvida de que esta posição soberana incomodou os falcões do imperialismo.


As últimas semanas têm sido de intensa resistência popular. Milhares de pessoas enfrentam diariamente o recolher obrigatório e as perseguições para garantirem, a partir da mobilização popular, o retorno do presidente constitucionalmente eleito Manuel Zelaya.


Em face de tais acontecimentos, a reunião regional das Américas do Conselho Mundial da Paz, reunida na cidade do Rio de Janeiro declara:


- Condenamos energicamente o golpe de Estado em Honduras


- Afirmamos nosso apoio e solidariedade ao povo hondurenho, que mesmo sob toque de recolher e intensa repressão, tem mantido a resistência nas ruas exigindo o retorno do presidente constitucional.


- Defendemos o imediato retorno do presidente Manuela Zelaya às suas funções.

- Denunciamos a estratégia dos golpistas em prolongar as negociações com o intuito de buscar legitimidade.


- Demandamos aos governos da região o não reconhecimento do governo golpista e que ao mesmo tempo suspendam as relações bilaterais com Honduras até a normalização da situação.


- Demandamos o encerramento imediato da base militar de Soto Cano, que indirectamente deu suporte à acção dos golpistas, além da suspensão dos programas financeiros de cooperação militar.


Defender a democracia hoje em Honduras é defender as transformações políticas que vem acontecendo na América Latina!

Toda a solidariedade ao povo hondurenho!

24 de Julho de 2009


Conselho Mundial da Paz

World Peace Council

quinta-feira, abril 16, 2009

Pela Liberdade do Sahara Ocidental


Fomos milhares a sair à rua. Vestimo-nos de branco, com vigílias à luz da vela e cordões humanos de encher cidades e atar com a sua vontade o mundo. Unimo-nos como nunca o fomos e lutámos com o ímpeto que se tinha perdido nos suores dos verões quentes. Havia lá longe um povo massacrado e a humanidade que nos resta pedia-nos que agíssemos. Um povo lá longe e, sim, no mais fundo de nós, escondido bem lá para o fundo, o remorso de sabermos que se agora caminhávamos a nós o devíamos por não termos caminhado antes.

O povo pertencia a um país chamado Timor-Leste a quem a liberdade chamou Lorosae. Saímos à rua e um país nasceu – não por nós, mas porque o país queria nascer. Mas saímos e rezámos e demos as mãos e fomos ao parlamento, a Estrasburgo, a Washington e New York e a verdade é que o país nasceu. Antes tínhamos saído à pressa de um território que durante 500 anos ocupámos, deixando ao abandono e à saciedade indonésia um território com povo lá dentro. Um povo que queria ser um povo de um território enfim deles mas que só por remorso e distância mereceu o nosso compadecimento – mas que mal ou bem conquistou a sua independência. Também porque saímos à rua e rezamos e demos as mãos e fomos a Estrasburgo, Washington, New York, sei lá, fizemos o que tinha que ser feito e não há mais ditos.

Imaginem outro país, mais perto. Alguém tinha fugido de lá e deixado à saciedade de outros um território com povo lá dentro, um povo que queria ser livre. Os outros entraram e não querem sair. Reconhecem a história?

Falo do Sahara Ocidental, onde passei a semana de Páscoa, junto de mais 42 portugueses, naquela que foi a maior delegação nacional a este país ocupado por Marrocos desde 1975, depois de Espanha ter fugido de lá. Eu e os meus companheiros, com as capacidades que temos, vamos tentar fazer com que, mais uma vez, por solidariedade genuína, os portugueses saiam à rua, rezem, dêem as mãos, se dirijam às instâncias necessárias, terrenas ou etéreas, para que, como Timor, também o povo Saharaui possa ser livre, num território que é o seu e que desejam porque é seu.

Vou aproveitar também este espaço para falar sobre a viagem e as experiências que vivi, que vivemos. Para discutir sobre a viagem e também sobre o que há a fazer para que, enfim, se fale mais da realidade do Sahara Ocidental, alterando a situação daquele povo que espera e luta por um país. Como já demonstrámos que somos capazes de fazer…

quarta-feira, abril 15, 2009

Entre deus e Maradona



Não frequento cultos de qualquer espécie, nem vejo necessidade, sinceramente, de existir um elemento etéreo a que a Humanidade se tenha de agarrar para justificar o que, num dado momento histórico, ainda não tenha justificação.

Inicio com este comentário uma reflexão acerca do documentário de Emir Kusturica, “Maradona”. Não sou um crente – assumo -, mas quando se fala em Diego Armando Maradona confesso que me calo face à justificação do (metafisicamente?) inqualificável. Não acredito, mas se fosse legítimo existirem as religiões que quiséssemos, não faltariam deuses de quem esperar milagres, ou representações simbólicas que moldassem os nossos hábitos – Maradona, nesta lógica, já tem seguidores e merece-o!

Por exemplo, Picasso era divino - há todos os testamentos e evangelhos nas formas geométricas das suas cores que justifiquem uma peregrinação aos museus em que está representado, comprovando aos mais cépticos que existe um inferno em Guernica e que nos sentiríamos nas nuvens celestes junto às Demoiselles d’Avignon; com Dali temos um purgatório constante, numa queda inexorável para a infinita perdição, numa semi-humanidade em fusão com os sonhos (a que nos ligarão os sonhos?); ler Saramago tem algo de oração, como um refúgio para um imaginário que nos salva ou que nos castiga na nossa dimensionalidade de não-saber-ao-que-estamos.

Enfim, Diego Maradona é toda a Divina Comédia. Se há algo maior que Maradona, só Maradona. Vê-lo correr driblando adversários é como alcançar o cume dos Himalaias com Os Lusíadas a salvo – fazemos parte da história porque vimos aquilo a acontecer, mas não compreendemos imediatamente o seu significado – apenas sabemos o que sentimos, para jamais o esquecer. E vê-lo cair humano, ou arrastar-se infernal pelos cantos obscuros de uma solidão que é tão maior quanto maior a solidão de não o podermos ver.

Com Maradona tudo é possível. Até a loucura de sermos iguais, assim divinos. Porque só entre iguais há perdão. E todos perdoamos a Maradona não ter sido sempre Maradona - porque estamos a falar de Maradona. Não perdoaríamos a quem fosse vulgar, por não ser assim igual, assim divino.

Maradona faz-me acreditar, e sei-o porque sorrio e fico feliz. E esse é o seu milagre. Obrigado Diego, por isso! E obrigado Kusturica, por nos lembrares.



sexta-feira, abril 03, 2009

Solidariedade com o Sahara Ocidental














Conselho Português para a Paz e Cooperação organiza
Missão de solidariedade portuguesa aos
Acampamentos de Refugiados do Sahara Ocidental

O Conselho Português para a Paz e Cooperação, partirá no dia 6 de Abril – próxima 2ª feira – para os acampamentos de refugiados Saharauis, localizados em Tinfuf , numa missão que junta 43 portugueses.

Essa missão integra-se no trabalho de solidariedade que o CPPC desenvolve há décadas com o povo Saharaui, forçado a viver no exílio, em acampamentos de refugiados, após a ocupação do Sahara Ocidental pelo Reino de Marrocos.

Actualmente, cerca de 200.000 Saharauis, essencialmente mulheres, crianças e idosos, somam às consequências do prolongado exílio, a diminuição da ajudar internacional, particularmente ao nível alimentar, mas que se reflecte também ao nível educativo e de assistência médica.

A presente situação exige de todos um reforço da solidariedade e de linhas de apoio, fundamentais para que não se verifique, num futuro próximo, mais uma catástrofe humanitária em África.

Nesse sentido o CPPC em parceria com o Crescente Vermelho e o Ministério da Educação da República Árabe Saharaui Democrática – RASD, assinou um protocolo de cooperação que visa a reabilitação da Escola Básica Syd Yayadih, localizada no acampamento de Dajla. Esta escola recebe 630 crianças, e é composta por 14 salas de aula, uma cozinha, refeitório, uma sala de professores e uma outra destinada a arquivos e apoio.

A missão do CPPC, fará a entrega dos primeiros donativos para a reabilitação da escola.

A vasta composição da delegação portuguesa – representantes de autarquias, sindicatos, institutos, associações, membros da comunicação social, cineastas, fotojornalistas, professores, médicos, advogados, informáticos e engenheiros do ambiente e energia solar, etc –, permitirá num futuro próximo, alargar a solidariedade portuguesa a outras áreas de intervenção e solidariedade com o povo saharaui.

O Conselho Português para a Paz e Cooperação deseja agradecer publicamente, a todos os envolvidos no projecto da Escola e na Missão, a forma entusiasta com que desde a primeira hora aceitaram este nosso desafio.

A Direcção Nacional do

Conselho Português para a Paz e Cooperação

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Caminhos caminhados


O caminho que se faz caminhando, entre tropeções, esperas, esperanças e angústias. E ilusões, que procuramos, que nos vão construindo, que nos desiludem para nos voltarmos a iludir.