quarta-feira, fevereiro 06, 2013

À flor da pele

Não procuro sair de cena, nem me aconchegar no silêncio. Podia só dizer isto e ficava assim, sem narração nem palco, mas há melodia desde que acordo - tons suaves, trinados gota-a-gota primeiro, que se adensam e nitidificam depois, até serem música completa, pauta exposta ao pensamento, emoções tipificadas no que de emoções vive quem se entrega a elas.

Há coisas que mais vale contar logo. Abrir portas à fala, mesmo que a soluços, mesmo correndo o risco que a música não nos saia da cabeça e sermos apanhados distraídos num ritmo que não nos identifica. Ridículo... Ridículo? Pelo menos não é perder tempo, quando vagueamos nos nossos discos e nas nossas cifras à procura da música que nos persegue, para a reconhecer no que somos e, mesmo assim, não nos identificarmos. Ou é perder tempo... Perder tempo a procurar.
Temos feito isso todas as sextas-feiras, quando nos colocamos debaixo do foco sem ensaio e toda a voz, dos agudos aos graves, estremece; todos os dedilhados saem na corda ao lado, criando estridências absurdas; ninguém do público nos presta atenção e nós queremos contar logo, contar tudo, tudo o que está à flor da pele e pede para ser partilhado; e humilhados, fracos e fracassados, nos retiramos até que a vontade de voltar seja mais forte que qualquer embaraço.
E a vontade volta sempre, não há como fugir, como na alegoria gasta do inseto contra o foco. E nós voltamos - iguais.

Há coisas que não vale a pena contar. Como fugir para procurar outro espaço onde a desafinação não entre. Acordam-nos e estamos longe, estamos nus e já não estamos. O mesmo ritmo, mesmo quando não nos identifica, ganha traços de personalidade - que choca com a nossa, heterofágica. A caixa da viola bate com estrondo no nosso joelho, potenciando um silêncio maior do que o não passarmos despercebidos. Procuramos, na ânsia da música, um tempo que não nos esfrie e, enfim, a harmonia que nos caraterize. E calamo-nos - é o nosso segredo! - porque não queremos assustar quem não se limitou a ver-nos passar.
Já saímos, a viola aos ombros na esperança de que alguma coisa se glorifique, já esquecemos o frio e as promessas que tivemos medo de fazer; bebemos algo e bebemos mais. A luz chama, a luz estica-nos a mão, mas agora é a sombra, é recuperar a sombra onde fomos intensos e deixar que um qualquer reflexo dourado não nos distraia.
Voltamos à luz. Ao palco, ao erro. Primeiro uma palavra e um tom subtil em Lá, como diapasão, onde afinamos a nossa disponibilidade. Há alguém que já nos olha, sem rancor - é para ela que não vamos voltar. Lembras-te do ensaio? Não há medo, em cada momento a ausência é corrigível e a narrativa segue o trajeto das declinações. Lembramo-nos do ensaio e estamos prontos a saltar, como no inevitável de nos termos encontrado sem mentira.

É como se já fosse sexta-feira e é um bom dia para sermos nós. Abre-se a cortina e:



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