segunda-feira, março 16, 2015

Sonho de um dia de greve

Sexta-feira houve greve da função pública! Teve o sucesso devido (de vidro?!), justificado pelo momento e as perspectivas futuras, que justifica o empenho de milhares de ativistas sindicais e o sacrifício dos trabalhadores portugueses.

Ninguém faz, hoje em dia, greve porque sim. O exercício deste direito é toldado pelo medo - o político, de represálias; o medo de tirar salário ao salário cada vez mais curto... Ser displicente com a greve e os grevistas revela soberba (motivada ideologicamente, por incapacidade de se ver para além da sua própria realidade ou pelos dois motivos juntos); ser displicente com todos os que furam a greve, por outro lado, é também não compreender a raíz do medo que o motiva.
Mas há sempre os "engraçadinhos" - os que, cinicamente, dizem "luta lá por mim", na lógica do "vão sem mim que eu vou lá ter", para receber, educado e pronto a sair de casa, o filho dos direitos conquistados (preservados...) - sem preocupações, sem arrelias, sem sacrifícios. E esses dão-me pesadelos.

Na sexta-feira tive um pesadelo. "Pesadelei" que, por artes mágicas (com varinhas de condão, elfos, unicórnios e simbologismos à Merlin), os sacrifícios dos que, por dedicação e vontade, se sacrificaram, tinham consequência - reposição dos salários; horário laboral que permitisse a conciliação de trabalho, lazer e descanso; férias devidas; avaliação justa, racional e estruturada; progressão na carreira condizente com as capacidades. Os outros, os que maldizem os sindicatos e os seus representantes, mas também os que, no fundo de si, se envergonham de furar uma greve (mas que o fazem amiúde), perdiam, paralelamente, os direitos conquistados - até ao início da Revolução Industrial, pelo menos. Imaginem: viver num mundo em que era vergonhoso desdenhar de uma greve porque chegamos tarde ao emprego; onde já ninguém dizia que "o Dia da Mulher é quando um homem quiser"; onde já não fizesse falta "outro Salazar". Há neste pesadelo uma justiça de Antigo Testamento! Mas, de certa forma, uma justiça, ou não enchessem a boca de Grécia clássica os que aludem ao berçário do poder do povo, feito de escravos e senhores. É um pesadelo o Direito dual, em qualquer circunstância histórica - mesmo que, pessoalmente, me beneficiasse.

Felizmente o mundo ultrapassou a fase em que matar o próprio filho era sinónimo de dedicação aos espíritos-santos. E todos os trabalhadores, com ímpetos grevistas ou não, são beneficiados com as conquistas que, ainda, vão resistindo - e sê-lo-ão, com as que forem (re)conquistadas! Infelizmente, quando acordei, a dedicação aos Espírito-Santo continuava secularmente testamentada pelos Cavacos, Coelhos e Portas desta vida, com dilúvios sem barca e dalilas como cabeleireiras. Irão para o museu, sem necessidade de Messias.

A realidade exige muito à insónia!

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